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"Não há como recuperar mais dinheiro do assalto ao BC", diz delegado; dois estão foragidos

Antônio Celso dos Santos, delegado da Polícia Federal que presidiu as investigações do assalto ao Banco Central - 27.abr.2004 - Lula Marques/Folha Imagem
Antônio Celso dos Santos, delegado da Polícia Federal que presidiu as investigações do assalto ao Banco Central Imagem: 27.abr.2004 - Lula Marques/Folha Imagem

Guilherme Balza

Do UOL Notícias, em São Paulo

23/07/2011 07h01

Prestes a completar seis anos, o roubo do Banco Central de Fortaleza voltou aos noticiários com a estreia do filme “Assalto ao Banco Central”, megaprodução nacional dirigida por Marcos Paulo. Nos dias 6 e 7 de agosto de 2005 foram roubados do cofre do banco R$ 164,7 milhões --em notas de R$ 50--, quantia que consagrou o assalto como o maior da história do país e o segundo maior roubo a banco do mundo.

O Ministério Público Federal denunciou mais de 120 suspeitos por envolvimento no crime, dos quais 36 teriam participação direta no assalto. Do total de denunciados, quase 50 foram condenados, 11 foram absolvidos e 65 aguardam julgamento. Restam dois foragidos, que vivem em vilarejos do sertão do Ceará tal qual o bando de Virgulino Lampião: fugindo da polícia, praticando crimes e intimidando a população local.

O UOL Notícias conversou por telefone com Antônio Celso dos Santos, delegado da Polícia Federal que, com uma equipe fixa de no máximo dez agentes, presidiu as investigações do crime e interrogou todos os envolvidos. Atualmente trabalhando como adido da PF no Paraguai, o delegado contou detalhes das investigações e fez críticas aos livros e ao filme sobre o assalto –que, segundo ele, estão longe de relatar os fatos com verossimilhança.

Segundo Santos, a PF conseguiu resgatar cerca de R$ 20 milhões em espécie –R$ 18 milhões em duas apreensões realizadas no ano do crime. Já o BC recuperou R$ 20,3 milhões com bens adquiridos com o dinheiro do assalto, cujos valores de mercado são muito inferiores aos que foram pagos pelos criminosos nas operações para lavar dinheiro. Para o delegado, “não há como recuperar mais dinheiro”, em razão do tempo que já se passou.

O assalto foi um exemplo de ousadia dos criminosos. Com equipamentos rudimentares, eles conseguiram cavar um túnel de 90 metros da casa que alugaram até o cofre do BC e levar três toneladas de dinheiro sem serem notados. As conseqüências do crime, contudo, foram catastróficas para os envolvidos, que se tornaram vítimas de extorsões por parte da polícia e de outros criminosos e foram caçados de modo implacável pela polícia, dada a magnitude do crime.

Abaixo, o delegado da Polícia Federal relembra o crime e conta detalhes inéditos.

O ASSALTO

"O assalto foi praticado por três grupos, dois de São Paulo e um do Nordeste. A fita (ideia) do crime quem recebeu foi o Alemão (Antônio Jussivan Alves dos Santos, o principal líder dos criminosos), quando ele estava em Fortaleza para roubar uma carga e conheceu o Deusimar [Neves Queiroz] e o Luiz Eduardo [Moura Mota], dois vigilantes que trabalhavam em uma transportadora de dinheiro e sugeriram que ele roubasse o BC. Eles conheciam o cofre, e falaram que roubar o BC é muito mais fácil do que se imaginava. Depois, o grupo começou a organizar o assalto em uma casa de praia perto de Cumbuco (litoral do Ceará) e tomou conhecimento de como era o cofre por meio de fotos que o Deusimar tirou por celular. Eles sabiam onde estavam as câmeras, que não eram boas, não filmavam nada, e sabiam a parte em que estava o dinheiro que não era rastreado.

De posse dessas informações, eles alugaram a casa e começaram a cavar o túnel, que tinha 89 metros e era equipado com iluminação, ar-condicionado, revestido com lona e madeira. O túnel era estreito, uma pessoa um pouco mais gorda não passaria. Eles furaram o chão do cofre com maquitas (produto usado para cortar cerâmica), que funcionam com discos de diamante, porque se eles quebrassem o piso o alarme iria disparar. Quando eles chegaram na caixa forte, começaram a carregar o dinheiro em baldes cortados no meio, que eram puxados por cordas. Eles tiraram o dinheiro entre a noite de sexta e a madrugada de sábado. Depois começaram a distribuir. Cada um foi para um canto do país: Goiás, Piauí, Pará... "

R$ 6 MILHÕES NA CARRETA

"No dia 9, chegou a informação de que uma carreta da empresa JR Transportes saiu com um bocado de carros no domingo, e que o dono, o José Charles [Machado de Morais], que éirmão de um conhecido assaltante [apelidado de Cabeção, que participou do assalto] viajou junto. Rastreamos a carreta. Enquanto isso, o motorista da carreta, que não tinha nada a ver com o assalto, reparou que o chefe estava nervoso, estranhou a urgência do transporte dos carros e, durante uma parada na estrada, decidiu olhar dentro dos carros para ver o que tinha lá. Ele achou um bolo de notas de R$ 50 e logo associou aquilo com o assalto. O José Charles disse para ele ficar quieto.

Quando ele chegou perto de um posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF), decidiu entrar com a carreta no posto para se livrar do problema. Foi bem na hora que uma equipe nossa estava chegando no local. A gente planejava fazer um ‘cavalo deTroia’, e usar o caminhão para chegar até outros bandidos, mas alguém da PRF já tinha vazado a informação. Nesse dia, o Jornal Nacional soltou que haviam achado R$ 40 milhões dentro de um caminhão-cegonha. Aí nossos planos de chegar até outros criminosos com o caminhão foram por água abaixo. Tivemos que contar o dinheiro. Tinha cerca de R$ 6 milhões."

R$ 12 MILHÕES EM MONDUBIM

"Com a prisão do José Charles, que estava muito nervoso e não era um cara do crime, conseguimos pistas dos demais. Achamos, inclusive, o número do celular que batia com o do cartão encontrado no túnel. O telefone era de um amigo do irmão dele, conhecido como Negão, que estava frequentando uma casa em Mondubim (periferia de Fortaleza). Ficamos sabendo de uma reunião que teria lá. Nesse dia, a gente decidiu que iria ‘estourar’ (invadir) a casa.

Estávamos em um bar e, coincidentemente, dois dos criminosos foram até esse local para comprar comida. Aproveitamos para entrar na casa e pegar os outros três que estavam ali dentro. Quando abrimos a porta, tinha R$ 12 milhões em espécie. Era uma pilha de 60 centímetros de altura e dois metros de comprimento. Ali achamos umas anotações com a divisão do dinheiro de assalto e a identidade dos demais. Daí foi questão de tempo para chegar nos outros."

NÃO HÁ COMO RECUPERAR MAIS DINHEIRO

"O bem que foi subtraído é volátil. As notas não estavam em série. Os bens comprados pelos assaltantes foram adquiridos com valores muito acima do real, já que eles tinham urgência em se desfazer do dinheiro. Eles gastaram o dinheiro de tudo que é jeito, com fazendas, casas, carros, lanchas, postos de gasolina, com mulher, com farra, pagaram dívidas... Tudo que se possa imaginar. Os criminosos também perderam muito dinheiro com extorsões. Não há mais como recuperar o dinheiro do assalto."

FORAGIDOS NO SERTÃO

"Os dois foragidos vivem em vilas próximas de Boa Viagem (a 217 km de Fortaleza). É o Antônio Artenho da Cruz, vulgo Bode, e o Juvenal Laurindo. Eu mesmo já fui umas quatro vezes, com uma equipe da Polícia Federal, para tentar prendê-lo, mas não consegui. Eles sempre conseguem fugir. Todo mundo na região conhece esses caras. Ou é amigo, familiar. Qualquer movimento estranho de alguém de fora eles avisam os caras, que conseguem fugir.

O Juvenal mora em uma fazenda em que é preciso percorrer 60 km numa estrada de terra para chegar. No caminho, há várias vilas, nas quais os moradores avisam o Juvenal quando há algum movimento estranho, seja por medo ou por amizade. Na última tentativa de pegar ele nós copiamos um caminhão de boia-fria que passa todos os dias na região recolhendo os trabalhadores. Ninguém percebeu nosso disfarce, mas quando a gente chegou na fazenda do Juvenal, uns burros começaram a relinchar, e a luz de uma das casas da fazenda se apagou. Corremos para tentar pegar o Juvenal, mas ele escapou. A casa era da irmã dele. Uma outra vez quase pegamos o Antônio Artenho, mas ele não tava em casa.

Tinha ido a um córrego próximo e conseguiu fugir. A região ali é muito propícia para eles fugirem. É caatinga, mas tem uma mata alta, é uma área extensa que não dá para cercar. Mas eu acredito que eles a prisão deles é questão de tempo. Eles vão ser presos por outros crimes que continuam praticando na região. Eles não param de cometer crimes. O Juvenal, por exemplo, é suspeito de ter cometido várias mortes, algumas por conta do assalto ao Banco Central."

ENVOLVIMENTO DO PCC

"Quase todos os paulistas que participaram do assalto eram vinculados ao PCC (Primeiro Comando da Capital). Alguns eram até respeitados, estavam em um nível alto na hierarquia, eram donos de boca de fumo e conheciam bem os presídios. Como quem está na rua precisa ajudar os ‘irmãos’ que estão presos, os assaltantes deram dinheiro para o ‘partido’, mas isso não quer dizer que o roubo ao BC financiou os ataques de maio de 2006, como alguns dizem."

EXTORSÃO E SUICÍDIO

"O José Edílson, vigilante do BC que recebeu R$ 2 milhões pelo crime, esse coitado foi tão extorquido que decidiu se matar. O Deusimar, que trabalhava com ele, foi preso e comentou na cadeia que o Edílson havia ficado com parte do dinheiro. Daí os caras sequestraram o Edílson e tomaram dele R$ 500 mil. Depois, sequestraram de novo e tomaram uns R$ 300 mil. Daí ele deixou o dinheiro com o irmão, que era sargento da Polícia Militar. Quando ele foi sequestrado de novo, disse que não tinham mais nada e acabou liberado pelos sequestradores. Uns policiais descobriram que o dinheiro estava com o irmão e decidiram que iriam sequestrar o Edílson de novo. Ele descobriu, e nesse meio tempo se suicidou."

CRÍTICAS AO LIVRO E AO FILME

"Eu li os dois livros --o do Roger Franquino (Toupeira – A História do Assalto ao Banco Central) e do Renê Belmonte (Assalto ao Banco Central). Inventaram tanta coisa, colocaram pessoas que não participaram. Eles leram jornais, pegaram uma das várias peças do inquérito --que ocupam metade de uma sala-- e inventaram um monte de história. Os únicos que investigaram o crime estavam na minha equipe, e nenhum deles foi consultado. O filme eu ainda não assisti, mas pelo que eu vi a única coisa que tem de realidade é o túnel, o dinheiro e o Banco Central. Inventaram uns personagens que não existiram, atribuíram a determinados personagens o que outros fizeram. Talvez eu assista por curiosidade, mas pelo que eu li não vale muito a pena. O filme é ficção, não é a realidade, agora, os livros tão muito fora da realidade."