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Após cinco anos em obras, convento histórico na Bahia tem reforma incompleta e suspeita de desvio de verbas

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

10/03/2012 06h00

Considerado um dos mais importantes monumentos franciscanos do país, o convento de Cairu (BA), a 308 km de Salvador, está no centro de uma polêmica envolvendo um suposto mau uso de verba pública. Após quase cinco anos de reforma, que custou R$ 7,6 milhões, o prédio --considerado patrimônio histórico nacional-- teve as obras interrompidas após a conclusão da terceira etapa, e não há qualquer previsão de retorno.Construído no século 17, o convento barroco da cidade histórica é tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônios Histórico e Artístico Nacional), que aponta o prédio como "marco inaugural do barroco na arquitetura religiosa luso-brasileira." As obras de restauro começaram em janeiro de 2007, após diagnóstico de problemas em sua estrutura, e foram encerradas em novembro de 2011. Nesses quase cinco anos, segundo os responsáveis pelo prédio, o convento teve apenas alguns reparos, e 60% do local estaria à espera da prometida reforma. Toda a obra foi financiada pela Petrobras, que informou não haver mais projetos em análise para a finalização.

As denúncias e indícios de irregularidade levaram o MPF (Ministério Público Federal) da Bahia a abrir investigação sobre o caso. Na última terça-feira (6), o procurador da República Eduardo El Hage foi ao local e constatou que vários pontos do antigo convento ainda estão em más condições de conservação e precisariam de reforma. No mesmo dia, uma audiência pública foi realizada para discutir o assunto entre todos os integrantes da obra e responsáveis pelo museu.

“A Petrobras [financiadora da obra] disse o valor já foi desembolsado na integralidade à ONG [organização não-governamental] Papamel. Disse também que as medições foram feitas, atestando a conclusão das obras, de acordo com as etapas. A ONG e a construtora responsáveis dizem que a reforma foi feita de acordo com o projeto. A construtora diz inclusive que tem as notas fiscais. Mas o local tem várias partes decadentes, precisando de restauração. Tirei uma série de fotos de partes que não foram reformadas. Dá para perceber que tem muito a ser feito, apesar da reforma ter sido dada como concluída. O teto de madeira tem cupim”, disse o procurador ao UOL.

Segundo El Hage, os recursos para financiamento da obra foram repassados à ONG, que captou os recursos e, por sua vez, contratou uma construtora recém-inaugurada para executar as obras. “Nem a ONG nem a construtora tinham experiência em restauros, mesmo assim foram aprovadas para tocar a obra. A construtora foi aberta no mês em que o projeto foi aprovado. Diante das denúncias e indícios de irregularidades, vou solicitar uma perícia da parte artística e na movimentação financeira. Com esse resultado em mãos, vou definir as próximas ações que serão tomadas”, disse, citando que pode ingressar na Justiça contra os executores da obra.

Ainda segundo o procurador, a audiência pública foi marcada após troca de acusações entre equipes que participaram da obra. Supostos "calotes" aos funcionários também foram denunciados. “Estiveram lá trabalhadores, que disseram não ter recebido os valores acertados e queriam saber quando seriam pagos. Fornecedores também aproveitaram para fazer a cobrança”, alegou.

Convento está "inclinado"

Responsável pelo prédio, o frei Lucas Dolle não escondeu a frustração com a informação recebida na última terça, de que a obra está "concluída." Até então, o religioso tratava o assunto como atraso nas obras. Tanto que, em novembro de 2011, o frei chegou a enviar uma carta à presidente Dilma Rousseff pedindo providências para que a reforma fosse acelerada. “Até um cego chegando aqui vê que não há proporções entre o dinheiro que entrou e o restauro que foi feito”, afirmou o frei, dizendo que a última informação que tinha era de que obra foi “suspensa” em novembro pela construtora.

"A reforma só foi 40% concluída. 60% deveria ser feita nas próximas etapas, que estávamos esperando acontecer. O convento não está pronto. A fachada, o telhado e o teto são as únicas partes concluídas. A parte de dentro está toda por fazer. A tribuna não está pronta, a adoração das tribunas, o coro, nada disso está pronto. O estacionamento e a cozinha, que estão inclusive na placa afixada na frente do convento, não foram feitas. A verdade é que eles nem começaram por dentro”, disse.

Segundo o frei, com o passar dos anos, a madeira das paredes do convento foram apodrecendo e precisam ser trocadas. “Em todas as construções franciscanas, existem três paredes, sendo uma delas no meio. Uma delas recebia água de chuva e também os restos sanitários. Tudo caia nesse rego e ninguém limpava. Com os anos, as coisas começaram a apodrecer. Por isso, a parede do meio baixou uns 30 cm. Com isso, nos nossos quartos, a cama cai para o lado. O convento está inclinado, e isso não precisaria ser reformado?”, questionou.

O frei ainda reclamou que nunca recebeu informações oficiais durante as obras. “Durante cinco anos, me isolaram por completo. Nem a ONG, nem a construtora, nem os fiscais do Iphan ou da Petrobras informaram nada. Nós, frades, não sabíamos do que estava acontecendo. Esse isolamento tem alguma coisa por debaixo do tapete”, alegou.

Outro lado

Procurada pela reportagem do UOL, o Iphan informou que, por não ser a financiadora da obra, não iria se pronunciar sobre os questionamentos a respeito da restauração e das possíveis irregularidades no convento de Cairu. Patrocinadora da reforma, a Petrobras confirmou que firmou cinco contratos com a ONG Papamel e repassou R$ 7.667.784,18. Segundo a empresa, “a obra completa de restauro não foi dada como concluída.” “Eram dadas como concluídas as fases do projeto, previstos em cada contrato, através da aprovação de seus relatórios técnicos pelo Iphan e pelo Ministério da Cultura.”

Sobre a averiguação da realização da obra, a Petrobras disse que realizou fiscalização “in loco” para “comprovar as contrapartidas previstas em cada contrato.” A empresa não citou qualquer irregularidade constatada.

Já no que diz respeito à continuidade da reforma, que ainda não foi concluída, a Petrobras informou que “não recebeu nova proposta de patrocínio da proponente (ONG Papamel) para as próximas fases do projeto”, e assim, não há previsão para retomada das obras. Na nota, a Petrobras também se colocou à disposição do MPF para "elucidar qualquer dúvida a respeito do contrato."

O UOL também tentou, durante toda a semana, contato com os representantes da ONG Papamel, que captou os recursos para execução da obra, mas o telefone da organização indicado em seu site e constante como contato no MPF não recebia ligações.

Segundo o MPF, os representantes da empresa informaram, na audiência pública da terça, que as obras foram entregues conforme apontava o projeto, e que existem documentos que descartariam irregularidades na reforma. A documentação, porém, ainda não foi entregue ao procurador da República.