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Com maior seca em décadas, Nordeste revive era de êxodo e fuga do campo

Carlos Madeiro

Do UOL, em Glória (BA)

16/05/2012 06h00

Casas fechadas, placas de “vende-se” e terrenos abandonados. Enfrentando aquela que já é considerada, na Bahia, a pior seca dos últimos 47 anos, o semiárido nordestino voltou a viver uma era de êxodo e fuga do campo, com a saída da população da zona rural para as cidades em busca de água. Somente na Bahia, mais de 230 municípios estão em situação de emergência; em todo o Nordeste, mais de 4 milhões de pessoas estariam em áreas diretamente afetadas pela estiagem.

A reportagem do UOL visitou cidades em quatro Estados da região durante uma semana e ouviu diversos relatos de moradores que saíram da região ou que viram vizinhos abandonarem seus sítios em direção a zonas urbanas ou locais com grandes obras.

A diferença do atual êxodo rural em relação ao ocorrido com mais intensidade nas décadas de 70 e 80, é que em vez de Rio de Janeiro e São Paulo, o destino dos nordestinos está mais próximo: muitas vezes é o próprio Nordeste e a região Norte.

Em Glória (BA), a reportagem encontrou moradores que estão desistindo da vida no campo e abandonando as casas em busca de uma “vida com água”. Na comunidade Porto da Serra, o último a fugir da seca foi “seu Manu”, um dos moradores mais antigos da comunidade e que deixou o casebre onde vivia para ir morar em Paulo Afonso.

“Ele arrumou as coisas ontem [terça-feira, 8] e foi embora. Vai fazer o quê aqui? Só passar sede e fome sem assistência de ninguém? Aqui não temos nem energia, nem água. É um sofrimento muito grande”, contou um vizinho.

Mapa mostra as cidades visitadas pelo UOL em quatro Estados

  • Arte UOL

Em Santa Brígida (BA), o êxodo rural é uma realidade que preocupa as autoridades. “Tem muita gente indo para Paulo Afonso [cidade vizinha e referência na região do médio São Francisco], ou Salvador, ou outra cidade grande. Outra parte está indo para o Pará, onde estão sendo realizadas obras. A situação é complicada aqui por conta da falta de chuva e de perspectiva. A situação é ainda mais difícil para os jovens”, disse o secretário municipal de Infraestrutura, Alfredo Ribeiro Neto.

Durante a visita do UOL ao município, foi comum encontrar casas fechadas e com placa de “vende-se.” “Aqui só se fala na seca. O pessoal vem para cá tentar esquecer os problemas, mas esse é o assunto. Todo mundo quer saber quando é que vai chover”, disse a dona de um pequeno bar na comunidade Caixa Cobrir, Ronilda Marques dos Santos, 33.

A situação da Bahia não é diferente a de outros Estados visitados. O funcionário público alagoano Osvaldo Nascimento, 49, conta que não suportou a falta de água no povoado Araticum e foi morar na zona urbana de Pariconha (AL).

“E olhe que lá eu tenho casa própria e aqui pago R$ 120 de aluguel, que é um valor alto para mim. Mas não tinha alternativa. Ou vinha para cá, ou ia viver sem água, que era bem pior”, relatou o servidor, que trabalha como motorista de transporte escolar e diz que vai “pensar seriamente” se voltará a viver na zona rural quando a chuva voltar a cair. “Lá o sofrimento é maior.”

Em Poço Redondo (SE), os moradores também relatam que sertanejos deixaram suas casas para tentar a vida na cidade. “Quem tem uma casa para ficar está indo passar um tempo na cidade e só vem aqui ver como as coisas estão. Ficar aqui sem água é ruim demais, só sabe quem passa”, conta Pedro Alexandre, 61.

Números

O Censo 2010 do IBGE mostrou que o número de pessoas que moram em áreas rurais continua diminuindo no país, porém num ritmo menor do que na década anterior. De acordo com a pesquisa, a população rural no país perdeu 2 milhões de pessoas entre 2000 e 2010, o que representa metade dos 4 milhões que foram para as cidades na década anterior.

Segundo o doutor em economia popular e professor da Universidade Federal de Alagoas, Cícero Péricles, 80% da população nordestina já vive em áreas urbanas, com povoados e cidades cada vez mais habitados. Para ele, isso é reflexo da maior quantidade de serviços ofertados, o que fica ainda mais evidente durante as secas.

“No semiárido, esse índice [de urbanização] ainda não foi alcançado, mas caminha nessa direção. Nas zonas urbanas, as adutoras ou os carros-pipa levam a água, e os programas sociais são mais presentes. Portanto, as possibilidades econômicas são mais efetivas que na área rural. Daí o movimento campo-cidade ter um aumento de fluxo”, afirma.

Segundo Péricles, a seca traz enormes danos sociais e econômicos à população e à economia do semiárido. “O prejuízo é imediato pela impossibilidade do plantio decorrente da falta de água ou mesmo a perda total da colheita. Essas perdas familiares repercutem na vida comercial dessas cidades, reduzindo o vigor das feiras e das atividades na prestação de serviços. Como são localidades pobres, sem um tecido econômico dinâmico, as consequências imediatas desse fenômeno são vistas de maneira dramática, com relatos de perda de patrimônio e endividamento das famílias de agricultores e moradores da área rural e urbana”, finaliza.