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Forças de segurança se preparam para receber chefes de Estado na Rio+20; relembre visitas de Clinton e Obama

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, discursou no Theatro Municipal em visita ao Rio de Janeiro, em março de 2011; já o ex-presidente Bill Clinton visitou a capital fluminense em 1997, e foi recebido com samba e futebol em passagem pela favela da Mangueira. - Montagem/UOL
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, discursou no Theatro Municipal em visita ao Rio de Janeiro, em março de 2011; já o ex-presidente Bill Clinton visitou a capital fluminense em 1997, e foi recebido com samba e futebol em passagem pela favela da Mangueira. Imagem: Montagem/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

12/06/2012 07h00

As visitas de importantes chefes de Estado ao Rio de Janeiro, tais como a do ex-presidente americano Bill Clinton, em 1997, e a do atual, Barack Obama, em 2011, são historicamente acompanhadas de temor quanto a possíveis problemas causados pelos criminosos das mais de mil favelas existentes na cidade. No entanto, diferentemente das situações anteriores, o clima para a Rio+20 -Conferência das Nações Unidas que será realizada entre os dias 13 e 22 de junho- é de aparente tranquilidade.

Com 23 UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) espalhadas pela capital fluminense, o Rio receberá nas próximas semanas mais de cem chefes de Estado, entre os quais o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, e o novo presidente da França, François Hollande. Há um plano dos governos municipal e estadual para levar autoridades às favelas pacificadas.

De acordo com o subsecretário extraordinário de Grandes Eventos, pasta criada duas semanas antes do evento, Roberto Alzir Dias Chaves, os governos optaram por uma estratégia de segurança "menos ostensiva", pois há o objetivo de aproveitar a Rio+20 para "reverter definitivamente a ideia de cidade perigosa". O mesmo raciocínio foi adotado pelo Ministério da Defesa, que destacou cerca de 20.000 homens e mulheres --dos quais 8.000 somente das Forças Armadas-- para as atividades operacionais durante a conferência.

"Teu cenário é uma beleza"

Quando a favela da Mangueira foi escolhida para receber a visita do ex-presidente americano Bill Clinton, em outubro de 1997, a comunidade da zona norte do Rio tinha cerca de 14.000 moradores subjugados pela facção criminosa Comando Vermelho (CV). Mesmo preso, Francisco Paulo Testas Monteiro, o Tuchinha, era apontado pela polícia como líder da quadrilha que controlava as bocas de fumo. Após cumprir 21 anos de prisão, Tuchinha saiu da cadeia em 2006, abandonou a vida do crime e hoje, com 48 anos, é um dos coordenadores do grupo cultural AfroReggae.


"Vemos a Rio+20 como uma janela de oportunidade para o Rio mostrar que não merece a imagem de cidade violenta que ela ostenta", declarou o subsecretário. Chaves pretende aproveitar o alto nível de exigência da conferência como um teste para avaliar as condições de segurança em relação ao Mundial de 2014 e às Olimpíadas de 2016.

"O cenário atual do Rio é muito mais propício para a realização de eventos deste porte do que no passado. As Forças Armadas vão atuar porque se trata de um evento internacional promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), mas certamente o policiamento será mais leve", disse. 

Nas ocasiões das visitas de Clinton e Obama, ainda que nenhuma ocorrência grave tenha sido registrada, o Rio foi obrigado a lidar com situações constrangedoras e com o descrédito de membros das delegações americanas em face da projeção negativa --em relação à criminalidade-- que a cidade alavancou durante muitos anos no cenário internacional. Em 1997, jornais estadunidenses chegaram a taxar o Rio como "zona conflagrada".

Obamafolia

Sósia do presidente americano Barack Obama durante desfile do Cordão do Bola Preta, um dos mais tradicionais do Carnaval carioca - Reprodução/Facebook
Pouco antes da chegada do presidente americano Barack Obama ao Rio de Janeiro, um evento organizado por brasileiros no Facebook, o "Obamafolia", prometia uma espécie de festa de Carnaval na praça da Cinelândia, local onde o presidente americano faria um discurso público. Porém, o evento foi transferido para o Theatro Municipal por decisão da equipe de segurança da Casa Branca, e restringiu-se a autoridades e celebridades. As mais de três mil pessoas que curtiram o "bloco do Obama" não puderam desfilar.

Apesar da desconfiança, tanto Bill Clinton quanto Barack Obama tiveram a oportunidade de conhecer duas históricas favelas da cidade: a da Mangueira, na zona norte, e a da Cidade de Deus, na zona oeste, respectivamente. Os dois eventos foram cuidadosamente planejados --com direito a uma série de vistorias prévias, limitações de acesso e posicionamento de "snipers" (atiradores de elite) nas lajes das comunidades.

Para a Rio+20, a expansão e a consolidação da política das UPPs são tidas como o fiel da balança em favor do Rio de Janeiro. Além disso, desta vez, a preocupação das autoridades brasileiras está mais associada ao deslocamento dos chefes de Estado, já que a maioria --o que inclui os de maior relevância-- ficará hospedado em hotéis situados numa única região da cidade, a zona sul.

"Montamos um centro de coordenação de operações que vai monitorar a cidade através de 550 câmeras. Também teremos três helicópteros com câmeras realizando varreduras aéreas, principalmente nos locais dos eventos e nos trajetos que envolvem deslocamentos de autoridades", explicou o chefe do Comando Militar do Leste, general Adriano Pereira Júnior.

Saem os tanques, entra a inteligência

Blindados na garagem

Rafael Andrade/Folhapress
Não há previsão de ocupar nenhuma comunidade. Vamos interferir o menos possível na vida do Rio de Janeiro. Haverá blindados, mas mais para proteger o soldado substituindo, por exemplo, uma casamata. Mas não consideramos os blindados necessários para combater qualquer ameaça

General Adriano Pereira Júnior, chefe do Comando Militar do Leste e coordenador do plano de segurança para a Rio+20

A princípio, as famosas imagens que mostraram tanques invadindo e ocupando as comunidades cariocas durante a Eco 92 (conferência realizada há 20 anos) não se repetirão, segundo o general Adriano Pereira Júnior, que foi destacado pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, para coordenar o plano de segurança para a Rio+20.

Em vez do armamento pesado, dos caveirões (blindados da Polícia Militar), dos tanques do Exército ou das guerras de última hora contra os traficantes de drogas, as polícias Civil, Militar e Federal --com o apoio de outras instituições de segurança-- vêm investindo há pelo menos seis meses em ações de inteligência para mapear as principais riscos.

O clima otimista não anulou a preocupação das autoridades com as favelas do município e do Estado. Polícias Civil e Militar repetem uma velha tática adotada em situações semelhantes: sucessivas operações para abafar a criminalidade em diversos pontos do Rio.

Investigações de várias delegacias deram origem a um plano de "limpeza de terreno" --termo utilizado por policiais que indica um esforço específico no sentido de abrir caminho para uma ocupação ou garantir uma imagem ordeira. Alguns dos principais alvos da PM foram os traficantes das favelas do Rola e de Antares, em Santa Cruz, e a do Jacarezinho, na zona norte.

Base em Santa Cruz

  • Divulgação/Força Aérea Brasileira (FAB)

    Base da Força Aérea Brasileira (FAB) em Santa Cruz, bairro da zona oeste do Rio. A região é uma das mais violentas da cidade

A opção pelas comunidades de Santa Cruz não se deu de forma gratuita, já que a Basc (Base da Força Aérea em Santa Cruz) --onde desembarcarão chefes de Estado-- está situada justamente em um dos bairros mais violentos da zona oeste do Rio, no qual traficantes de drogas e milicianos brigam pelo poder paralelo. A região ficou conhecida por ser um dos principais territórios controlados pelo grupo paramilitar conhecido como "Liga da Justiça".

Em uma das operações no Jacarezinho, depois de um longo trabalho de investigação da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), a divisão de elite da Polícia Civil, agentes prenderam um dos oito chefes do tráfico mais procurados do Rio: Aleksandro Rocha da Silva, o "Sam da Caíco", ex-líder do crime organizado no morro da Covanca, em Jacarepaguá.

A prisão de Silva foi um passo estratégico para impedir que o principal palco da conferência da ONU, o Riocentro, situado em bairro vizinho a Jacarepaguá, estivesse sujeito a qualquer tipo de incômodo do crime organizado. Após ser expulso por milicianos e se refugiar no Jacarezinho, a quadrilha de Sam da Caíco travava uma intensa disputa para retomar o controle do morro da Covanca.

Já na zona sul, região nobre onde estão os hotéis de luxo que receberão os chefes de Estado, 150 oficiais da Força Nacional de Segurança ficaram responsáveis por ocupar a favela do Santo Amaro, no Catete, área conhecida pelo intenso comércio de crack. A operação ocorreu no início de maio.

A comunidade, que está situada no entorno do aterro do Flamengo, local que sediará a Cúpula dos Povos durante a Rio+20, possui uma das cracolândias mais problemáticas da cidade -- assim como as do Jacarezinho, do morro da Serrinha, em Madureira, e da favela de Manguinhos, todas na zona norte.

VIOLÊNCIA NA ZONA OESTE

Em Santa Cruz, bairro onde está situada a Basc (Base da Força Aérea), a taxa de homicídios é de 43,6 casos por 100 mil habitantes, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública). Na área vizinha de Bangu e Realengo, campeã das mortes violentas da capital (268 vítimas), a taxa foi de 39,4 casos. Já em Campo Grande, onde os grupos armados formados por policiais e ex-policiais controlam serviços públicos, como transporte coletivo, a taxa foi de 33,4 homicídios por 100 mil habitantes. Para efeito comparativo, a taxa de mortos na Guerra do Iraque em 2004 foi de 34,9 vítimas, segundo o Global Burden of Armed Violence. No Rio, a taxa é de 27 casos por 100 mil habitantes.

Além disso, traficantes do Santo Amaro costumavam abastecer os bairros nobres da zona sul e a região dos Arcos da Lapa, tradicional ponto turístico do município. Segundo o governo do Estado, os agentes continuarão ocupando o morro até que seja instalada uma UPP no Santo Amaro.

No local, pelo menos 89 adultos e 11 menores de idade foram acolhidos pela força-tarefa da Secretaria Municipal de Assistência Social, responsável pelo programa de combate ao crack no Rio.

Planejamento

A capital fluminense contará com policiamento diário dobrado durante o período da conferência. Cerca de 6.000 PMs, policiais civis, guardas municipais e agentes de outras forças de segurança pública trabalharão no esquema. Para aumentar o efetivo, a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Seseg) vai oferecer remuneração extra aos servidores que venderem suas folgas entre os dias 13 e 22 de junho.

"Antes o policial de folga era escalado para trabalhar em eventos como o Réveillon, por exemplo, sem receber nada a mais. O RAS é uma medida de gestão pessoal que nos permitirá ter mais policiais à disposição e vamos pela primeira vez remunerar esse esforço extraordinário", explicou o subsecretário de Grandes Eventos da Seseg, Roberto Alzir Dias Chaves.

INFOGRÁFICO: Saiba os locais dos eventos da Rio+20

De acordo com o plano de segurança articulado pelo Ministério da Defesa para a Rio+20, cerca de 20.000 homens e mulheres serão responsáveis pela segurança em toda a cidade durante a conferência, sendo 13.000 praças e oficiais das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). Em comparação com a Eco 92, a Rio+20 terá um efetivo de segurança cerca de 40% menor -- em 1992, eram pelo menos 30 mil agentes envolvidos.

O foco das polícias estaduais será a cobertura dos pontos turísticos da cidade, o que inclui as praias da orla carioca e cartões postais como o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar, e todos os espaços urbanos capazes de concentrar grande núméro de turistas, tais como museus, shoppings, áreas de reservas florestais, entre outros. Os efetivos das UPPs também serão reforçados.

A PM também deverá ter uma atenção maior com possíveis manifestações em frente a sedes de empresas estrangeiras. Segundo a pasta operacional da Seseg, serão instaladas quatro bases da Polícia Militar em pontos estratégicos da cidade: Praça Mauá (onde está localizado o porto do Rio), aterro do Flamengo (no qual acontecerá a Cúpula dos Povos), Arena HSBC e Quinta da Boa Vista.

A Polícia Civil, por sua vez, terá duas delegacias improvisadas nos principais palcos da Rio+20: uma no Riocentro e outra no aterro do Flamengo. Além disso, o patrulhamento será reforçado em túneis e vias expressas, como linhas Vermelha e Amarela, pelas polícias estaduais e fuzileiros navais.

Em relação ao Riocentro, o departamento de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) será o responsável por cumprir os protocolos de segurança no interior do evento. Tropas de fuzileiros navais darão apoio logístico e operacional na cobertura do entorno.

Segundo o general Adriano Pereira Júnior, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vai exercer um papel fundamental no sentido de evitar possíveis ações terroristas. No entanto, ele acredita que a "imagem amigável" do Brasil faz com que o país não seja um alvo em potencial.

Defesa cibernética

Uma das principais novidades do plano de segurança da Rio+20 será a instalação de um centro de prevenção de a ataques cibernéticos, cujo investimento foi de R$ 20 milhões.

“Essa parte de defesa cibernética diz respeito a uma ameaça nova, e nós temos que lidar com essa ameaça que pode também causar transtornos para a conferência. (...) Sabemos que são coisas que acontecem no mundo de hoje. Você tem que estar prevenido", afirmou o minitro da Defesa, Celso Amorim.

"É claro que nenhum país do mundo consegue garantia absoluta de 100%, mas acho que estamos bem preparados para dar tranquilidade ao evento. Os documentos estarão disponibilizados da maneira adequada, com toda a segurança que é possível fazer", completou o ministro.

Segundo Amorim, até o momento, não foram detectadas ameaças em relação às páginas virtuais dos diferentes eventos da Rio+20.

Terra, ar e mar

Amorim garantiu que as Forças Armadas atuarão não só no patrulhamento terreste, mas também no monitoramento do espaço aéreo e na guarda marítima adjacente. Questionado sobre um possível fechamento dos aeroportos do Rio --Galeão e Santos Dumont--, o ministro da Defesa afirmou "não ter ouvido nada a respeito".

"Há um espaço relativamente restrito que é a proteção do espaço aéreo do próprio Riocentro, e haverá a chegada dos aviões como em qualquer evento desse tipo, onde será dada prioridade aos voos dos chefes de Estado. Mas não se falou nada sobre fechamento de aeroportos", disse o ministro.

Segundo o general Adriano Pereira Júnior, há possibilidade de que as restrições do espaço aéreo em face à chegada das comitivas internacionais provoquem alterações aleatórias na aviação civil.

No entanto, ele disse acreditar que isso só ocorreria caso "alguma situação saísse da normalidade". (Com Reuters).