Prefeitura quer transmitir sua responsabilidade para ONGs, diz presidente de instituição que há 23 anos distribui sopão em SP
"A Prefeitura de São Paulo está querendo transmitir sua responsabilidade para as ONGs", disse o presidente da instituição Anjos da Noite, Antenor Ferreira, que há 23 anos distribui alimentos para moradores de rua, após o anúncio da possível proibição do sopão na capital paulista.
A proposta da Secretaria Municipal de Segurança Urbana prevê que o sopão, que atualmente é oferecido voluntariamente por 48 instituições em vias públicas da região central, seja distribuído em uma das nove tendas da prefeitura, conhecidas como espaços de convivência social, que atendem pessoas sem teto da cidade. A ação está prevista para ser colocada em prática dentro de 30 dias.
"Se eles querem atrair os moradores de rua para essas tendas, por que, então, não oferecem a comida?", questiona Ferreira, que relaciona essa medida a mais uma das "estratégias" do prefeito Gilberto Kassab para tentar se "safar de suas responsabilidades".
Em nota oficial divulgada na última quinta-feira (28), a prefeitura disse que a união das ações das ONGs com as dos agentes sociais têm potencial para tornar "ainda mais eficazes as políticas de reinserção social". E enfatizou que não se trata de uma proibição, mas sim de um "convite" às entidades para que passem a atuar nas tendas.
"A palavra 'proibição' só foi substituída após o reflexo negativo que felizmente a notícia ocasionou para o nosso prefeito", afirma Ferreira, que também relaciona a medida a "um falso projeto de reintegração social". "O que se quer é tentar tapar o sol com a peneira, tirando os moradores do centro da cidade e levando para lugares mais afastados", diz ele.
Em contrapartida, o secretário de Segurança Urbana, Edsom Ortega, alegou quer atrair os moradores de rua para os abrigos, que chegam a ter 2.800 vagas ociosas em alguns períodos do ano, conforme publicado pela "Folha de S.Paulo". "O fato é que não há vagas para todos", afirmou o presidente da instituição Anjos da Noite.
O problema da nova medida, na opinião de Eduardo Lamonica, 47, que há cinco anos trabalha como voluntário da Turma da Sopa, está na centralização e na restrição da oferta das sopas. "Assim, possivelmente menos pessoas serão beneficiadas", supõe ele. "Alimentar esses moradores de rua é coibir os pequenos assaltos e furtos, que muitas vezes são cometidos no desespero da fome."
Insalubridade dos alimentos
Na quinta-feira (28), a Secretaria Municipal de Segurança Urbana afirmou que a proposta de restringir a oferta do sopão tem o objetivo de "coibir a distribuição insalubre dos alimentos". Um cuidado que tanto a Anjos da Noite como a Turma da Sopa disseram ter em todas as fases do processo – desde o armazenamento dos mantimentos até a preparação e a distribuição das sopas.
"As comidas são todas feitas no mesmo dia em que são servidas. E mais: os produtos não perecíveis são todos comprados no dia ou na véspera da preparação", aponta Ferreira, que também diz não receber doação de alimentos prontos, justamente por não saber da procedência deles.
Precauções similares são tomadas pela Turma Sopa, que, conforme observou a reportagem do UOL, distribui a sopa em um prato de isopor, além de oferecer colheres descartáveis para todos os moradores. Na distribuição, todos os voluntários usam luvas plásticas e aventais, e as mulheres prendem os cabelos. "No fim, recolhemos todo o lixo produzido e deixamos a rua limpinha", diz Lamonica.
E mesmo diante da "ameaça" que o secretário Ortega fez em "enquadrar administrativamente e criminalmente" as instituições que insistirem em continuar oferecendo comida em vias públicas, Ferreira afirma que não interromperá as atividades da Anjos da Noite, tampouco suspenderá a distribuição das 800 refeições semanais. "Só pararei caso a prefeitura me apresente uma justificativa legal para proibir a oferta gratuita de comida para quem precisa", relata ele, que afirma estar disposto a entrar na Justiça caso seja necessário.
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