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Setor imobiliário financiou todos os vereadores da CPI dos Incêndios, em São Paulo; total chega a R$ 700 mil

Fabiana Nanô

Do UOL, em São Paulo

05/10/2012 15h19

Os seis vereadores integrantes da CPI dos Incêndios em Favelas, instalada em abril deste ano na Câmara Municipal de São Paulo, têm como principais doadores da campanha eleitoral construtoras ou empresas ligadas ao ramo da construção. O valor das doações para os então seis candidatos ultrapassou em 2008 os R$ 700 mil, segundo informações divulgadas no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). 

Órgãos públicos, como o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), investigam se existe relação entre os incêndios e ação de grupos criminosos que representem interesses de especulação imobiliária, no caso da favela do Moinho, região central da cidade, por exemplo.

Veja quem são os vereadores que integram da CPI dos Incêndios

Ricardo Teixeira (PV)Edir Sales (PSD)Aníbal de Freitas (PSDB)Ushitaro Kamia (PSD)Toninho Paiva (PR)Souza Santos (PSD)
Presidente da CPIVice-presidente da CPIRelator da CPI   
R$ 454 mil em 2008R$ 111 mil em 2008R$ 95 mil em 2008R$ 160 mil em 2008R$ 50 mil em 2008Dados não disponíveis
R$ 100 mil em 2012R$ 620 mil em 2012R$ 46 mil em 2012R$ 6.000 em 2012R$ 6.000 em 2012R$ 100 mil em 2012
  • * Os valores são relativos às doações de construtoras e empresas do ramo da construção nas eleições de 2008 e 2012

Neste ano, de acordo com as prestações de contas parciais dos candidatos à Câmara no pleito de 2012, as doações de empresas relacionadas à construção somam mais de R$ 800 mil para os seis vereadores, todos candidatos à reeleição. Os valores, no entanto, podem ser muito maiores, já que algumas doações são registradas em nome de pessoas físicas ou dos comitês financeiros dos partidos.

Em 2008, o vereador da comissão que mais recebeu doações de construtoras foi Ricardo Teixeira (PV), o presidente da CPI dos Incêndios. O montante chegou a R$ 454 mil à época. Neste ano, a campeã de arrecadação por parte de empreiteiras é a vereadora Edir Sales (PSD), vice-presidente da Comissão. O site do TSE diz que ela recebeu até agora R$ 620 mil de empresas do ramo da construção.

  • Reprodução/TSE

    Montagem mostra algumas das doações ao vereador Ricardo Teixeira nas eleições de 2008, divulgadas no site do TSE. A AIB figura entre as maiores doadoras

  • Reprodução/TSE

    Montagem mostra prestações de contas parciais da candidatura da vereadora Edir Sales (PSD), divulgadas no site do TSE

Os outros integrantes da CPI são Aníbal de Freitas (PSDB), que é relator, Toninho Paiva (PR), Ushitaro Kamia (PSD) e Souza Santos (PSD) --todos da base aliada do governo municipal, sendo que três deles são do PSD, partido presidido pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Os seis integrantes da comissão também têm em suas prestações de contas de 2008 doações de empresas do setor de construção e da AIB (Associação Imobiliária Brasileira), que reúne empresas do setor em todo país e na época doou R$ 150 mil para Ricardo Teixeira e R$ 100 mil para Edir Sales. A AIB foi condenada em 2010 a pagar R$ 30,8 milhões por ter ajudado a bancar a eleição de vereadores e do prefeito Kassab com doações ilegais.

CPI não caminha

Desde abril, a CPI realizou apenas três sessões e cancelou outras cinco. Além disso, não colheu nenhum depoimento desde sua abertura. Sua finalidade, no entanto, é “apurar as causas e responsabilidades pela recorrência dos incêndios em favelas de São Paulo”, de acordo com a descrição no site da Câmara. 

SAIBA MAIS

  • 69

    incêndios em favelas

    foram registrados em São Paulo, neste ano, segundo o Corpo de Bombeiros

    Segundo a Defesa Civil, somente neste ano ocorreram 34 incêndios em favelas da capital paulista. Os números diferem dos divulgados pelo Corpo de Bombeiros, que contabilizam 69 incêndios.

    Procurada pelo UOL para esclarecer se o fato de ter recebido doações de construtoras poderia influenciar sua atuação na CPI, Edir Sales enviou uma nota que diz que “ao longo de sua trajetória política, a vereadora desenvolveu parcerias e consolidou amizades com pessoas que atestaram sua credibilidade e honestidade junto à administração da cidade de São Paulo”.

    “Edir Sales é ficha limpa e preza pela transparência em suas atividades parlamentares. Quanto à CPI dos Incêndios, o relatório final será apresentado oportunamente no fechamento da Comissão, que foi prorrogada”, continua o comunicado.

    UOL também procurou o vereador Ricardo Teixeira, que não se manifestou a respeito do assunto.

    A CPI vem sendo criticada por movimentos sociais por ser composta apenas por parlamentares da base de governo do prefeito Kassab. O PT e o PCdoB poderiam ter indicado três vereadores, mas não o fizeram. A Comissão, no entanto, pode ter uma nova integrante do PT nas próximas semanas, a vereadora Juliana Cardoso. A informação foi dada ao UOL pela própria vereadora. "Estamos negociando para colocar o meu nome na CPI, talvez na quinta-feira (11)", afirmou.

    Cardoso disse que, em um primeiro momento, o PT não quis indicar ninguém, porque a CPI dos Incêndios foi criada na "calada da noite". “Estávamos brigando para instalar outra CPI e, na calada da noite, o governo criou a CPI dos Incêndios, que é uma comissão para inglês ver, não iria funcionar de verdade, como não está funcionando. Então, a bancada [do PT] se retirou, mas agora estamos negociando o meu nome, para fazer [a CPI] funcionar.”

    Barracos consumidos e inquéritos abertos

    O segundo incêndio em menos de nove meses na favela do Moinho, na região central de São Paulo, fez o MP-SP reabrir uma investigação que estava arquivada desde o início do ano sobre a favela. 

    Além do Moinho, o MP paulista investiga também se houve crime no incêndio que deixou 1.140 pessoas desabrigadas na favela Sônia Ribeiro --conhecida como favela do Piolho, no dia 3 de setembro. O caso é apurado pelos promotores do Gaeco (Grupo de Apoio Especial de Combate ao Crime Organizado), que investigam se o incêndio foi cometido por algum "grupo criminoso" que represente "interesses de especulação imobiliária" na região, e também pelo promotor de Habitação e Urbanismo da capital, José Carlos de Freitas, que investiga o caso na esfera cível.

    A favela do Piolho fica próxima à avenida Roberto Marinho, no Campo Belo, zona sul da capital paulista, e ocupava uma área de 12 mil metros quadrados, dos quais 4,5 mil metros quadrados foram atingidos pelas chamas.

    Em entrevista recente ao UOL, o promotor de Urbanismo afirmou que "chamam a atenção" o número e o tipo das ocorrências de incêndio em favelas na cidade. Até o prefeito Gilberto Kassab afirmou que o incêndio no Piolho pode ter sido intencional.

    Movimentos sociais protestam

    Na última sessão da CPI, que foi cancelada, movimentos sociais realizaram um ato na frente da Câmara, para denunciar os incêndios e pedir esforços mais efetivos dos vereadores da comissão. 

    “É no mínimo muito curioso que os incêndios ocorram somente em favelas de regiões valorizadas e que, logo em seguida ao fogo, a prefeitura faça um esforço homérico para retirar as famílias, e não para dar assistência”, disse Guilherme Simões, do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que tem acompanhado as famílias desabrigadas após o incêndio na favela do Piolho (zona sul), que destruiu cerca de 280 barracos.

    Raimundo Bonfim, coordenador da CMP-SP (Central de Movimentos Populares), acredita que “o governo municipal é no mínimo cúmplice” dos incêndios em favelas e prevê que, com a Copa do Mundo, “as coisas vão ficar piores”.

    Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em parceira com André Delfino da Silva, coordenador do MDF (Movimento de Defesa dos Favelados), Bonfim afirma que "é muita coincidência a existência de uma onda de incêndio em favelas paulistanas em um momento de enorme valorização imobiliária. E os incêndios ocorrem justamente nas proximidades das operações urbanas, nos locais mais cobiçados pelo mercado imobiliário".

    "Não temos dúvida em afirmar que essa onda de incêndios serve a uma política de higienização. Além dos incêndios, estamos vivenciando uma onda de reintegração de posses, despejos e remoções de favelas e de áreas debaixo de viadutos, principalmente nos locais que estão passando por um 'boom imobiliário'", ressalta o artigo.