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Ações de remoção compulsória de usuários de crack no Rio não respeitam legislação, afirma MP

Assistente social conversa com suposto usuário de crack na região da favela de Manguinhos, que foi ocupada pela polícia há cerca de duas semanas - Ricardo Moraes/Reuters
Assistente social conversa com suposto usuário de crack na região da favela de Manguinhos, que foi ocupada pela polícia há cerca de duas semanas Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

30/10/2012 15h00

As operações promovidas pela Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro com o objetivo de remover adultos usuários de crack compulsoriamente, submetendo-os à averiguação de antecedentes criminais e posterior encaminhamento a abrigos públicos, "não encontram qualquer fundamento legal", segundo nota divulgada pelo MP-RJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro), nesta terça-feira (30).

Na visão do promotor Rogério Pacheco Alves, o procedimento classificado como "prisão para averiguação" fere o artigo 5º da Constituição Federal --"ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Segundo ele, a legislação brasileira estabelece exceções quando há medida judicial autorizando o recolhimento ou em situações nas quais há prática de crime.

"Há vários aspectos ilegais considerando as medidas de remoção compulsória aplicadas atualmente [pela Prefeitura do Rio], ressalvados os casos previstos em lei. Elas desrespeitam uma decisão já confirmada pelo Congresso. O próprio governo municipal reconhece a impossibilidade do recolhimento compulsório em um Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o MP em maio de 2012", disse.

Alves afirmou ainda que o órgão já notificou a secretária municipal de Assistência Social, Maria de Fátima Gomes Vieira do Nascimento, que deve prestar esclarecimentos sobre os trabalhos realizados nos complexos de Manguinhos e Jacarezinho, na zona norte da cidade, em face do processo de pacificação das respectivas comunidades.

Questionado sobre a polêmica da internação de adultos usuários de crack, defendida com veemência pelo prefeito Eduardo Paes --que conta com o apoio do Ministério da Saúde--, a promotora Anabelle Macedo da Silva afirmou ser necessário diferenciar os termos "compulsório" e "involuntário". Após o processo de recolhimento, os dependentes são levados para abrigos, porém a maioria acaba voltando para as ruas.

A internação involuntária ocorre, de acordo com o MP, quando há laudo médico comprovando a dependência química e a necessidade do tratamento especializado. Já a compulsória só pode ser realizada a partir de uma medida judicial.

Na visão da promotora, a política defendida pelo governo municipal depende de uma infraestrutura adequada, pois a internação só poderia ser feita em unidades de saúde mental, a exemplo dos Caps-AD (Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas). "Abrigos não são locais adequados para esse tipo de tratamento", disse.

Além disso, o órgão observa que a internação involuntária "tem caráter excepcional, somente se justificando nos casos em que os recursos extra-hospitalares forem esgotados", e ainda assim respeitando uma série de critérios estabelecidos pela Lei 10.216/01. Segundo a legislação brasileira, "os usuários de crack têm direito a atendimento integral de saúde mental".

Por fim, o MP afirmou que está "atuando no caso" por meio de um inquérito civil, instaurado com o objetivo de "apurar deficiências de atendimento do serviço público de saúde para os usuários de crack e para prevenção de tal uso".

Plano de combate

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, manifestou apoio à internação involuntária de adultos dependentes de crack e afirmou que a pasta vai ajudar a Prefeitura do Rio na preparação de um novo protocolo para tratamento dos pacientes. A decisão foi tomada depois de uma reunião entre o ministro e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), na última quinta-feira (25). O plano está previsto para ser apresentado até o dia 8 de novembro.

"Nos casos em que há risco de vida, a internação involuntária é um recurso que pode ajudar. Mas a estratégia deve ser feita de forma adequada, respeitando a lei, com avaliação médica", disse o ministro. Padilha também prometeu repassar os recursos "que forem necessários" para ampliar a rede de atendimento a dependentes de crack no município.

O plano do governo municipal prevê a implantação da internação involuntária de dependentes químicos adultos, medida que vem gerando polêmica, além da abertura de leitos, unidades de atendimento e consultórios de ruas. O ministro posicionou-se favorável às medidas.

Após o encontro, Paes lembrou que a internação involuntária já é feita no Rio, em casos de crianças e adolescentes usuários de drogas, e avaliou que a estratégia tem sido bem-sucedida. A ideia seria a de estender a medida para adultos dependentes químicos.

"Tive do ministro [Alexandre Padilha] a resposta positiva de que, para todas as dificuldades que estamos identificando, o ministério vai estar junto com o financiamento, ajudando a pagar essa conta", ressaltou.

De acordo com o prefeito, o próximo passo é definir os critérios para a ampliação da internação involuntária. Segundo ele, técnicos do ministério devem ajudar na elaboração de uma espécie de protocolo de atendimento a ser seguido pelos profissionais de saúde nesses casos.

“Estamos tratando de um tema que diz respeito aos indivíduos, dramas pessoais, problemas pessoais e, claro, que exige sempre uma complexidade muito grande. Não estamos aqui prometendo, dizendo como resolver todos os problemas”, argumentou. “A boa notícia que recebemos hoje é que não há limite. O ministro se colocou inteiramente à disposição para todas essas unidades que a prefeitura quiser abrir”, completou.