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Cada família indígena deveria ter 30 hectares de terra, segundo órgão de Mato Grosso do Sul

Celso Bejarano e Camila Neuman

Do UOL, em Dourados (MS) e São Paulo

07/11/2012 06h00

A reserva indígena de Dourados (224 km de Campo Grande), formada pelas aldeias Jaguapiru e Bororó, mede 3.600 hectares e é habitada por cerca de 3.500 famílias guaranis, terenas e kaiowás, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio). Na média, cada família tem pouco mais de um hectare.

Um hectare corresponde a dez mil metros quadrados. Um terreno de cem metros de frente por cem metros de lado tem dez mil metros quadrados. Grosso modo, um hectare equivaleria, mais ou menos, ao tamanho do quarteirão de uma cidade. 

Para a Agência Estadual de Defesa Animal e Vegetal, órgão conhecido como Iagro, uma família de quatro indígenas precisa de 30 hectares (30 quarteirões da cidade) para plantar, colher, caçar e, assim, garantir sua subsistência.

Pelas contas da Iagro, portanto, os indígenas de Dourados deveriam estar em um território de 108 mil hectares, ou seja, 30 vezes maior do que aquele onde vivem atualmente. O cacique guarani Luciano Arévolo, 58, disse ao UOL que a reserva, criada em 1927, foi repartida entre dez e 12 hectares por família.

“Acontece que as famílias cresceram, por isso tem índio sem terra hoje em dia”, afirmou o ex-líder, que atualmente divide seus dez hectares iniciais com as famílias dos três filhos (dois pedreiros e uma enfermeira) e de sua irmã. Cada família ficou com dois hectares. Elas estão acima da média da reserva.

Segundo Spensy Pimentel, pesquisador do Cesta (Centro de Estudos Ameríndios) da USP (Universidade de São Paulo), 98,5% das terras indígenas do país estão na Amazônia, mas 50% da população indígena vive fora dela.

“Mato Grosso do Sul já tem há algum tempo a segunda maior população indígena do país, perdendo apenas para o Amazonas, embora tenha pouquíssimas terras demarcadas. É um caso emblemático, porque ali estão os guaranis-kaiowás, maior povo indígena não amazônico, e que, por essa falta de terras, vive uma situação trágica. É muita gente para pouca terra”, diz Pimentel.

Caldeirões de violência

Para o pedagogo e antropólogo Tonico Benites, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a estrutura das reservas indígenas incentiva os movimentos de retomada por serem verdadeiros caldeirões de violência, suicídios e uso de drogas, ao mesmo tempo em que impedem a manutenção das tradições indígenas.

De origem kaiowá, Benites nasceu na aldeia Sassoró, reserva localizada na margem direita do rio Iguatemi (MS), mas viu sua família ser expulsa diversas vezes de Jaguapiré, terra indígena no município de Tacuru (MS), reconhecida somente nos anos 90.

“Na reserva tem drogas, violência, roubo e estupro porque a vivência é bem parecida com a das periferias das cidades. Na área recuperada, a vida é bem mais tranqüila, e as relações sociais são melhores porque os indígenas têm mais autonomia, mais espaço, não tem intromissão das igrejas, e a gente pode controlar quem entra e quem sai”, diz.

Guaranis-kaiowás desmentem suicídio coletivo

Ao longo do século 20 as terras indígenas de Mato Grosso do Sul foram colonizadas, e os guaranis-kaiowás foram empregados como trabalhadores nas fazendas.

Com a mecanização da agricultura extensiva a partir dos anos 60 e o desmatamento das áreas por fazendeiros que começaram a apostar no cultivo da soja, entre outras atividades, a mão de obra indígena foi sendo progressivamente dispensada, e suas terras foram tituladas para os colonos antes que pudessem ser demarcadas pelo governo.

Tratados como um ‘estorvo’ pelos fazendeiros, que cada vez mais expandiam suas terras, sobraram às famílias indígenas os ‘fundos das fazendas’ para se abrigarem, até serem novamente expulsas.

Foram, então, levadas para oito reservas indígenas que o antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), substituído pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em 1967, havia criado no início do século passado. 

Essas áreas somavam apenas 18 mil hectares, e, em poucos anos, não daria conta de abrigar a população que crescia. O resultado foi a criação de espaços inchados, onde eclodiu a violência entre famílias que brigavam por espaço para sua subsistência.

Rituais 'satânicos'

Com estrutura ocidentalizada, as reservas passaram a ser dominadas por missionários que tentavam catequizar os índios e que os impediam de fazer seus tradicionais rituais xamânicos, considerados ‘satânicos’ pelos religiosos.

Fora isso, os indígenas tiveram que aprender a conviver também com vigilantes implantados nas reservas pelo governo, para impedir a violência, mas que também acabavam com o direito de ir e vir dos índios. Faltava ainda espaço para os cultivos que tradicionalmente alimentavam essas populações. 

O mal estar generalizado foi o estopim para o surgimento de movimentos que reivindicavam o retorno às antigas terras onde suas famílias foram formadas, disse Pimentel.