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Policiais seriam do Rio de Janeiro, diz jornalista do Paraná ameaçado de morte por telefone

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

19/12/2012 14h16

O jornalista Mauri König, 46, que trabalha para o jornal “Gazeta do Povo”, de Curitiba, irá deixar o país nos próximos dias por conta de ameaças de que sua casa seria “metralhada” após a publicação de reportagens com denúncias contra a Polícia Civil do Paraná.

König coordenou a equipe que produziu a série de reportagens “Polícia Fora da Lei”. Finalista do Prêmio Esso Regional Sul, a série, publicada ao longo de duas semanas em maio passado, evidenciou “desvio de dinheiro e mau uso de bens públicos por policiais civis”, relata o repórter.

Esta semana, o jornal retomou a série para denunciar que os envolvidos no caso, além de não serem punidos, estariam às portas de receber promoções.

“Foi aí que surgiram as ameaças. Em telefonemas a dois colegas, alguém que se identificou como policial disse que ia acontecer uma merda muito grande, e não queria ficar com a consciência culpada", relatou.

"Haveria cinco policiais civis e militares, vindos do Rio de Janeiro, num Santana preto e num Corsa bordô, para metralhar a minha casa e matar o suposto informante das reportagens”, disse König. Um terceiro telefonema fez ameaças aos diretores da “Gazeta do Povo”.

Por conta das ameaças, a empresa contratou seguranças para acompanhar o jornalista, que, acompanhado da mulher e do filho de dez meses de idade, está escondido e se prepara para deixar o Brasil.

“Organizações ligadas ao jornalismo e aos direitos humanos vão me tirar daqui durante um tempo, até a poeira baixar.” Albari Rosa, Diego Ribeiro e Felippe Aníbal, que trabalharam nas reportagens, também estão sob proteção contratada pela “Gazeta do Povo”.

Diretor da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), König diz não ter dúvidas de que as ameaças partiram de policiais, “pelo teor do que é dito e porque ninguém mais é atingido pelas denúncias veiculadas nas reportagens”.

Questionado se as ameaças demonstram que o estado perdeu o controle sobre as forças de segurança que deveria comandar, König diz ver o governo “condescendente por não ter punido policiais contra os quais havia provas concretas nem investigado outras ameaças feitas então”.

“Perebento”

À época da publicação da série, surgiram ameaças a König num blog na internet.  “Acabo de sair do plantão e segurei dois colegas que queriam faze (sic) o couro (…) do tal do Mauri. Chamei mais gente pra convence que não é bom – fai [vai] fede mais. Tão (sic) na mira” (sic), lia-se numa das postagens, depois apagada.

“Vamo po (sic) ele na cela do 13.º [Distrito Policial]. Só que como são perebento temo que dá viagra pra turma dos preso faze os dois”, dizia outra, também removida. Uma terceira classificava o jornalista como “inimigo número 1 da Polícia Civil do Paraná”.

Também à época, a “Gazeta do Povo” informou ter registrado em cartório uma ata notarial com as cópias das postagens do blog, para adotar as medidas judiciais necessárias.

“Não houve nenhuma mobilização da Secretaria da Segurança Pública para tentar identificar o IP do computador de onde partiram as ameaças. Ficaram mais preocupados em se auto-proteger, tentando desqualificar a reportagem, que em investigar uma ameaça de morte. O reflexo disso acontece agora”, critica o jornalista.

“Minha família está atordoada. Estamos tentando nos proteger de um inimigo invisível, que não sabemos quando e como vai agir. E eles deram provas claras de que sabem onde moro, qual minha rotina”, diz König. “Falo sobre o assunto por orientação de colegas jornalistas, pois é importante dar publicidade ao caso, para que quem ameaça perceba que, caso algo aconteça, a chance deles serem pegos é maior.”

“Providências cabíveis”

Procurada para comentar o caso, a Secretaria da Segurança Pública do Paraná emitiu uma nota em que afirma ter adotado “as providências cabíveis, ficando à disposição da equipe de reportagem e do veículo de comunicação sempre que necessário for.”

Prossegue a nota: “O fato está sendo acompanhado pela Assessoria Civil. Todas as medidas pertinentes estão sendo tomadas. Um delegado já entrou em contato com a equipe de reportagem que denunciou as ameaças. O Gaeco, que conta com policiais civis e militares e com promotores de Justiça do Ministério Público do Paraná, já está à frente das investigações.”

“A Secretaria é solidária aos profissionais da imprensa do Paraná e não permitirá qualquer forma de ataque direto ou indireto aos jornalistas que cumprem com seriedade e dedicação as funções que abraçaram”, finaliza o texto.

Jornalistas sob risco

Caso semelhante ao de Mauri König ocorreu, em 2012, com o jornalista André Caramante, da “Folha de S. Paulo”. Ele retornou ao Brasil no último domingo (16) após passar três meses no exterior em função de ameaças que ele e os filhos receberam após a publicação de reportagens sobre o vereador Paulo Telhada (PSDB), ex-comandante da Rota da Polícia Militar paulista.

Relatório divulgado esta semana organização “Campanha Emblema para a Imprensa” revelou que o Brasil foi, em 2012, o quarto lugar mais perigoso do mundo para o exercício do jornalismo.

Onze jornalistas foram assassinados no país este ano, números que colocam o Brasil à frente de Afeganistão, Iraque ou a Faixa de Gaza, e atrás apenas de Síria, Somália e Paquistão.