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Turistas argentinos ignoram crise econômica e invadem Santa Catarina no verão

Renan Antunes de Oliveira

Do UOL, em Florianópolis

15/01/2013 00h00

Até a Páscoa, 500 mil argentinos devem visitar Santa Catarina. Os comerciantes catarinenses esperam com avidez a chegada da onda de "hermanos" para fechar as contas do ano anterior e acumular gordura para o próximo --tem sido assim por mais de duas décadas.

Fala-se muito numa crise argentina, mas ela não existe para turistas: nesta temporada a média prevista de gastos para casal argentino com duas crianças que vier ao Brasil é de R$ 660 por dia, segundo estimativa feita pelo jornal "El Clarín", de Buenos Aires.

A Abih (Associação Brasileira da Industria de Hotéis) espera um incremento no setor. "Esperamos um crescimento de 8% a 12% neste verão", diz o presidente João Moritz. O grosso vem em fevereiro, para o Carnaval.

'Hola, que tal' na TV

Números, no entanto, não são tudo quando se trata de argentinos. Eles promoveram uma mudança real na cultura do litoral e na vida dos catarinenses --o principal apresentador da RBSTV costuma abrir seus comentários nesta época com um "Hola, que tal", imitando o sotaque dos portenhos que enchem as praias do Estado.

A vanguarda da invasão colorida, agitada, divertida e consumista começou no domingo (6), quando o posto de fronteira em Dionísio Cerqueira (760 km da capital catarinense) contou mil carros em direção à BR-282, uma média de 41 veículos por hora. Cerca de 500 voos fretados entre a Argentina e Santa Catarina são esperados até a Páscoa, mas o grosso do contingente de veranistas usa a rodovia: sete em cada dez turistas argentinos chegam à Santa Catarina de carro.

Parece muito, mas não é dos argentinos a culpa dos congestionamentos na BR-101. O Estado sofre com as obras de duplicação da rodovia no trecho ao Sul de Florianópolis e reformas ao Norte.

Na verdade, há seis vezes mais gaúchos e paranaenses do que argentinos nas estradas. Somados aos catarinenses, é o suficiente para a confusão.

Durante janeiro de 2013, 200 mil argentinos devem passar por Florianópolis. O outro destino preferido dos portenhos é Balneário Camboriú, a 80 km da capital. Mas eles estão em todos os pedaços de litoral do Estado.

Eles também rolam pelo interior, em especial no eixo cerâmica/vestuário/alimentos de Blumenau e Brusque, alegrando as caixas registradoras do Vale do Itajaí.

Nestas duas décadas de invasão do bem os argentinos desafiam crises internacionais, brasileiras e deles mesmos. Quando entra o verão e eles se refestelam nas praias catarinenses: "Eu venho até com chuva", diz Pedro Juan Perucci, de Mendonza, 29, há 12 um frequentador de Canasvieiras, no norte de Floripa. Ele pegou água desde o Natal e não reclamou.

Preços abusivos

Houve um tempo em que eles eram recebidos com  descortesia e preços abusivos. Isto é mais antigo do que a disputa Pelé ou Maradona. Hoje, do flanelinha ao governador todos respeitam a importância do turista estrangeiro --embora os preços continuem abusivos quando alguém fala espanhol. Exemplo 1: na farmácia Panvel dos Ingleses, uma caixa de Enalapril de 20 mg custa R$ 47 para argentino e R$ 25 para brasileiro.

Por décadas os argentinos usaram o dólar. Mas o verão 2013 vai ser o do cartão de crédito, mesmo pagando uma taxa de 15 % a mais na volta. É que eles não podem mais comprar dólar livremente por lá.

"Este ano a Cristina 'feich' este quilombo", explica o garçom Facundo Bertola, 30, há dois servindo camarão na praia dos Ingleses. Tradução do portunhol: "Este ano a [presidente] Cristina [Kirschner] fez essa bagunça". Ele quis dizer que as medidas controlando o dólar poderiam fazer diminuir o número de turistas.

Bertola se dá como exemplo do lado bom do Brasil. Lá, ele era chapeador. Aqui, vende uma sequência de frutos do mar na praia por R$ 164 e ganha R$ 37 só de gorjeta. Ele desdenha dos compatriotas sem dólar: "Cliente bom é paulista".

Logo se junta um grupo de argentinos e todos se botam a falar mal da presidente deles, das medidas que proibiram o dólar. Ninguém fala do sol e da água na bela sexta-feira (11), estão todos possuídos pelo monetarismo: "Tomei um açaí e paguei R$ 13", vocifera um dentista. "Sabe quanto me custou em pesos ? Quase 78! Com este dinheiro eu pago um bom jantar para dois em Buenos Aires".

Pablo Matiá, 46, é mais light. Ele faz um minitratado de economia. Diz que "controlar o dólar foi só para evitar remessa de lucros das empresas multinacionais e lavagem de dinheiro. Quem vinha antes ao Brasil era o rico, quem continua vindo são os ricos".

Pablo descolou uma pousada na casa de uma professora brasileira a R$ 40 por dia, pechincha em Floripa. Exemplo dois de exploração: um beliche em quarto coletivo de pousada na Lagoa da Conceição custa R$ 40 por noite. Dá R$ 80 por casal --isso para dormir separado e sem privacidade.

E apresentamos Danisa Fagan, 29, cantante. Faz dupla com Pablo. Os dois chegaram de ônibus, "cantando e tocando". Já conseguiram pagar a estadia só no gogó: dão shows nos bares da Lagoa da Conceição, Ingleses e Rio Vermelho. 

Uruguaios

Para os catarinenses, falou espanhol é argentino. Mas os uruguaios odeiam ser confundidos. Com eles não têm essa de dólar controlado. O casal Cassinelli veio com as filhas Isa e Dani, como fazem há 10 anos.

As meninas são fanáticas pelo Peñarol, time de Montividéo. A mais velha lia um livro sobre os heróis de lá, satisfeita com a vitória sobre o Inter, na Libertadores 2011, vencida pelo Santos.

Os Cassinelli ficam mateando na areia e prometem voltar em 2014. Dona Gabriela se desfaz em elogios ao Brasil, às praias --o engenheiro Alberto entra na conversa com "e a segurança".

O engenheiro, tudo indica, não deu bola para os casos de ataques incendiários a ônibus em Ingleses ocorridos justamente na praia dele, no final do ano. Nem sabia da confusão.

São poucos os casos com gringos que chegam à polícia brasileira. Em dezembro, as autoridades dos dois países anunciaram um projeto de ter dois agentes argentinos em delegacias de Floripa, mas eles não vieram. Problemas por lá.

Quem está se dando bem são os cambistas. No mundo dos economistas, R$ 1 vale 2,43 pesos argentinos. Na rua, vale tudo. Os cambistas torcem o nariz para o peso e fingem que não querem recebê-lo, exceto se for a 1 peso por R$ 4, ou 1 peso por R$ 5.

Os comerciantes alegam que pagam muitas taxas às administradoras de cartões: 6 ou 7 pesos.

Ação

Os argentinos parecem conformados com esta fúria na cobrança e muitos não tão nem aí. Eles procuram coisas para fazer. Querem ação. Se tivesse duas disneylândias por aqui elas viveriam lotadas --milhares vão ao parque Beto Carrero World, a 120 km de Floripa.

Eles são os reis da noite --não existe balada sem gringo. Não é à toa que foi um deles, há três anos, a primeira paixão da ex-virgem Catarina --como confessou a brasileira que ficou famosa quando leiloou a virgindade na internet para um documentário.

Quem achou um nicho foi a empresa de barcos de pirata. É controlada pela associação dos moradores de Canasvieiras. Os turistas lotam galeões para pequenos "recorridos" por praias ao norte de Floripa, R$ 50 por pessoa por cada 3 horas de navegação.

A brincadeira é bem inocente. O gaúcho Luis Lima há 10 anos se veste de pirata e sobe no barco para uma coreografia. Puxa uma garrucha, grita, tira fotos com crianças. "Dá R$ 3.000 por mês, mas só no verão".

Um grupo de hermanos a bordo do Pérola Negra ao meio-dia de sexta era muito ruidoso. O lado brasileiro dos passageiros entrou no clima.

Um deles simulou uma perna quebrada para entrar carregado no navio, provocando gargalhadas --usava uma peruca de Maradona e uma sunga que mais parecia um fio dental.

Todos se acomodaram quando um pirata alto e magro, todo vestido de negro, fez o papel de aeromoça ensinando como se colocar o colete salva-vidas. Outro pirata dava as instruções em espanhol.

Quando a carga de turistas argentinos finalmente se ajeitou, o capitão do Pérola Negra levantou âncora em busca dos tesouros do litoral catarinense: mar e sol.