Incêndio na Kiss foi sucessão de "erros primários", diz presidente do Crea-RS; deputados querem lei federal para boates
Emprego de material inflamável para isolamento, uso de material pirotécnico, ausência de controle de fumaça, falha no extintor, saídas de emergência inadequadas e funcionários despreparados. Essas foram algumas das falhas apresentadas pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RS) em uma audiência da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (19). A audiência ocorre em uma comissão externa da Casa que apura o incêndio na boate Kiss em Santa Maria (RS), ocorrido no final de janeiro.
O relatório do Crea foi feito com base em informações coletadas pela prefeitura de Santa Maria, corpo de bombeiros e uma visita ao local no dia 31 de janeiro. De acordo com o presidente do órgão, Luiz Alcides Capoani, a tragédia foi causada por erros: “Prédio não cai sozinho. O que ocorreu em Santa Maria foi uma sucessão de erros dos mais primários.”
PERGUNTAS A SEREM RESPONDIDAS
A boate poderia funcionar com apenas uma saída de emergência? | Por decreto não poderia. Mas então por que o Corpo de Bombeiros concedeu o alvará de funcionamento? |
Onde estão as imagens do sistema de segurança? | Os primeiros depoimentos dão conta de que a gravação não estaria funcionando |
Os seguranças impediram os clientes de sair da boate sem pagar a comanda? | As informações iniciais dizem que isso pode ter ocorrido antes de eles se darem conta de que estava acontecendo o incêndio |
A reforma recente na boate pode ter contribuído para causar o incêndio? | O teto pode ter sido rebaixado, o que colocaria o material pirotécnico mais próximo de um isolamento acústico altamente inflamável. O delegado que chefia as investigações disse que a casa noturna havia feito reformas "ao arrepio de qualquer fiscalização, por conta e risco dos proprietários" |
Por que os extintores não funcionaram? | A polícia diz que os extintores podem ter sido falsificados |
A iluminação de emergência funcionou corretamente? | Polícia investiga hipótese de as pessoas terem ficado presas no banheiro por não conseguirem enxergar a saída por falta de sinalização adequada e excesso de fumaça |
Donos permitiram a superlotação? | O local, segundo os bombeiros, comportaria 691 pessoas. Mas polícia estima que mais de mil estavam presentes na hora do incêndio. Os donos da boate, porém, dizem que não havia mais de 650 pessoas |
Capoani apontou alguns erros estruturais da boate. “A falta da iluminação fez com que as pessoas morressem ao se perder no banheiro, a largura das saídas era inadequada, o despreparo dos funcionários. O ar condicionado só ajudou a sufocar as pessoas. Tudo seria fácil de ser evitado se tivesse fiscalização”, diz. No relatório, ele sugeriu que fosse criada uma força-tarefa em cidades de grande porte para vistoriar locais com grandes aglomerações.
Ele defende uma legislação mestra para definir as normas de segurança em boates. “A legislação de Santa Maria fala que não pode usar material inflamável, mas não define quais. Precisamos definir quais são esse materiais. “Só nos lembramos de fazer inspeção quando se tem problemas. Só se vistoria prédio quando a marquise cai”, disse.
O presidente da entidade observou que a legislação precisa ser modificada no sentido de tornar mais rigorosas as penas para os donos de estabelecimentos e empresário que descumprem regras de segurança. “Hoje é melhor para o empresário pagar multa [do que se adequar]. Ele não faz as exigências, não tira o alvará e qual a multa que ele tem? Essa é umas das questões que precisam ser colocadas nacionalmente.”
Além disso, Capoani ressaltou que também há falta de qualificação dos bombeiros para fazer revisões. “Ninguém sabe que é responsável pela inspeção do revestimento acústico toxico. Se for alguém do Crea que autorizou, tem que ser punido. Se for alguém dos bombeiros, devem ser punidos. É preciso criar formas de preparar esses profissionais."
Boate era antigo depósito
O relatório do Crea-RS apontou que a boate Kiss foi construída em um galpão utilizado como depósito na década de 50. Em 2003, o local sofreu uma reforma (sem ampliação) para abrigar um cursinho pré-vestibular. A área foi utilizada para abrigar a boate Kiss em 2009. De acordo o relatório, a casa tem 638,25 metros quadrados e capacidade para 700 pessoas.
Os laudos da Kiss estavam em dia. Porém, o órgão indica que os documentos não apontam a presença do revestimento de espuma entorno do palco. De acordo com o relatório, o teto da boate era descrito no laudo com duas camadas de forro de gesso e, sobre o forro, duas camadas de lã de vidro. A falha no laudo responsabilizará o Corpo de Bombeiros da região.
Lei federal
Os membros da comissão sugeriram a criação de uma lei federal para regulamentar a fiscalização em boates. Atualmente, a normatização se dá por meio de legislações estaduais e municipais (como no caso de Santa Maria).
Uma das sub-relatoras da comissão, Elcione Barbalho (PMDB-PA), reclama que ainda não houve a criação de uma regulamentação para boates: “É comum a gente fechar a casa após ela estar arrombado. Na Lapa (Rio de Janeiro), há locais com grandes riscos de tragédias similares. Precisamos urgentemente criar normas para isso”.
"A audiência revelou que é preciso uma atualização da legislação. O Crea pode contribuir tal como outros órgãos, como a ABNT", disse o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) após o final da audiência. "Nunca foi o objetivo interferir em atribuições que são dos Estados. Queremos criar normas amplas para sejam cumpridas. Mas a forma que os alvarás serão feitos são os municípios que decidem", concluiu.
Luiz Alcides Capoani também defende a normatização para evitar falhas de leis municipais. “A legislação de Santa Maria fala que não pode usar material inflamável, mas não define quais. Precisamos definir quais são esse materiais”. Para ele, a prevenção poderia evitar tantos erros na boate.
Apesar da vontade dos deputados em formular uma lei nacional, há alguns empecilhos que podem fazer o projeto não sair do papel. De acordo com o consultor da Câmara Fernando Rocha, a Constituição não permite a criação de normas detalhadas de segurança que valem para âmbito nacional. “É importante criar uma lei geral, mas as atribuições sobre prédios continuam com os municípios”. Para ele, a legislação não foi o que causou o incêndio na Kiss: “ Acredito que o que aconteceu lá não foi por falta de normas. Foi por falta de cumprimento”.
A consultora Suely Vaz afirmou que as peculiaridades locais não permitem que se crie uma lei única. “Não é simples fazer uma lei federal para tanto”. Porém, os consultores concordam que é possível fazer uma lei geral sobre o tema e deixar com que os municípios criem normas específicas.
A comissão externa que acompanha as investigações da boate vai buscar definir alguns parâmetros para definição dessas leis. Na próxima sessão, participarão membros da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) para tentar definir alguns parâmetros do que seria essa lei geral.
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