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"Minha carreira profissional foi destruída", diz médica suspeita de homicídios em UTI em Curitiba

Virginia Helena Soares de Souza foi presa no dia 19 de fevereiro suspeita de antecipar mortes em UTI - Henry Milléo/Gazeta do Povo/Futura Press
Virginia Helena Soares de Souza foi presa no dia 19 de fevereiro suspeita de antecipar mortes em UTI Imagem: Henry Milléo/Gazeta do Povo/Futura Press

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

01/03/2013 19h55

“Minha carreira profissional foi destruída." Essa foi a frase ouvida pelo general da reserva Abelardo Prisco de Souza Junior, 63, irmão da médica Virginia Helena Soares de Souza, presa desde o último dia 19 suspeita de “antecipar mortes” na UTI (unidade de terapia intensiva) do Hospital Evangélico, segundo maior de Curitiba. Aberlardo, que vive em Santos (72 km de São Paulo), no litoral paulista, esteve em Curitiba na última terça-feira (26) para visitar a irmã, então presa numa unidade da polícia no Centro da cidade. “Evidentemente, ela está muito emocionada, abatida, mas muito segura, coisa que sempre foi”, disse.

Segundo ele, a irmã sente-se julgada e condenada previamente pela imprensa. Por isso, o militar pediu ao repórter nome e telefones para contato antes de iniciar a conversa, por telefone. “Estou vendo minha irmã com a carreira médica destruída. Se a inocência dela for provada, quero ver se os meios de comunicação que a achincalharam vão se redimir”, disse.

Inocência da qual ele não mostra dúvidas. “Eu conheço minha irmã. Acredito nela pelo que ela fala, pelo carinho que recebeu de pessoas cujas vidas salvou por ela. Na minha visão, que é a de quem a acompanhou a vida toda, Virginia é excessivamente profissional, abnegada, totalmente dedicada ao trabalho e ao Hospital Evangélico”, disse.

“Minha irmã não é uma médica mercenária. Jamais aceitaria uma ordem para liberar um leito do SUS [Sistema Único de Saúde] para um paciente atendido por convênio. Só tem um emprego (na verdade, Virginia atua como prestadora de serviços, sem vínculo empregatício, no Evangélico), com dedicação exclusiva”, afirmou Abelardo.

“Virginia não tem carro, vive num apartamento alugado em Curitiba. A insegurança patrimonial dela, aliás, sempre me inquietou. Ainda mais por conta da crise no Hospital Evangélico”, disse. A instituição enfrentou seguidas greves de funcionários, nos últimos meses, por conta do atraso no pagamento de salários. “Mas ela seguiu na labuta.”

“Falta de tato”

Virginia, 56, a caçula de três filhos, herdou o gênio forte do pai, segundo Abelardo, o irmão do meio. “Ela tem um temperamento muito difícil. Veio do meu pai essa forma mais severa, rude, de não aceitar incompetência, corpo mole, o erro, a vagabundagem. Você me perdoe pelo termo”, falou Abelardo à reportagem do UOL.

O pai da médica fez carreira como conferente de cargas no Porto de Santos, o maior da América Latina. “Ele foi da Cia. Hamburg Sud, era muito respeitado pela forma como trabalhava.Uma vez, quando foi me visitar na Escola Militar, acharam que era [oficial] graduado, pelo porte, a voz, o aperto de mão forte. Mas não era militar”, recordou.

“Virginia cresceu com o exemplo de meu pai. E, por essas características, esse temperamento forte, angariou muitos desafetos”, disse. Ele mesmo se lembra de uma conversa em que a médica relatou uma suspensão de 30 dias do trabalho por “fumar em local inadequado e tratar de forma agressiva um colega de trabalho, por discordar da atitude profissional dele”. “Os defeitos dela vêm da falta de tato, como dizemos no Exército”, resumiu.

Uma ou duas vezes por mês, os irmãos se telefonavam. “Ela ligava para comentar os jogos do Santos, é santista de nascimento e de coração”, contou Abelardo. A irmã mais velha é graduada em francês e piano – o filho de Virginia também seguiu a carreira na música, que leciona em Curitiba.

 

Revolta

Desde a prisão de Virginia, que chefiava a UTI geral do Evangélico desde 2006, dezenas de pessoas foram à polícia depor espontaneamente sobre o caso. Boa parte são pessoas que passaram a considerar suspeitas as mortes de pessoas queridas. Outro grupo foi prestar solidariedade e defender a médica – caso de uma costureira dela.

Do primeiro grupo, consta uma denúncia de que Virginia teria “antecipado a morte” do próprio marido, também médico intensivista, em 2006. “É um absurdo essa história”, revoltou-se Abelardo. “Depois de visitar minha irmã na cadeia, fui ao hospital, e um dos diretores clínicos me disse que Virginia nunca atuou nesse caso. E que tentaram reanimá-lo por duas horas”, falou.

O marido de Virginia morreu em decorrência de um câncer abdominal, que tratava havia dez anos. Só nos últimos dias de vida, porém, foi levado ao Evangélico – antes, chegou a estar inernado na UTI de outro hospital em Curitiba. A reportagem procurou o Evangélico. Nenhum médico quis conceder entrevista, mas a instituição informou que a médica estava em casa no dia da morte do marido.

Também causa revolta ao militar o erro cometido na transcrição das interceptações telefônicas feitas nas linhas da casa de Virginia – a própria polícia admitiu que grafou-se a palavra “assassinar” quando a médica disse “raciocinar”. “Me parece má-fé. E, se for, desqualifica o trabalho [de investigação] que foi feito. Não sou idiota nem burro para desqualificar a polícia. Ela é necessária, e temos que esperar que seja a melhor possível. Mas é passível de equívocos, por ser formada por seres humanos.”

Abelardo levanta outro ponto. “Assassinar não é uma palavra dita usualmente. As pessoas falam matar. Até minha esposa notou isso. Ela, aliás, está muito abatida, não aceita o que está acontecendo, acha que a coisa toda está sendo tramada [contra Virginia]”, desabafou.

Angústia

Da visita que fez a irmã, na terça-feira, Abelardo guarda a imagem de uma pessoa angustiada. “Eu levei alguma coisa [para comer], mas ela não quis nada. Ela gosta muito de ler, mas disse que nem isso estava conseguindo. Virginia me contou que, uma noite, já madrugada, a caixa d'água do banheiro deu defeito e sala onde ela estava presa começou a inundar. Ela mesma pediu uma vassoura para limpar o chão, queria fazer qualquer atividade física. Porque a cabeça mesmo não parava, ela não conseguia se concentrar em nada.”