Famílias e amigos das crianças vítimas do massacre de Realengo lembram os dois anos da tragédia
“Lembrar é reagir, esquecer é permitir”. A frase, dita em uníssono, neste domingo (7), pelos familiares e amigos das vítimas do Massacre do Realengo – como ficou conhecido o assassinato de 12 crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro -, sintetiza o sentimento das pessoas marcadas pela tragédia, há exatos dois anos. O grito de guerra é, na verdade, um clamor por paz.
Por volta das 10h, centenas de pessoas lotaram a Paróquia Nossa Senhora da Conceição e João de Deus, em Realengo, para assistir a uma missa organizada pela Afaar (Associação de Familiares e Amigos dos Anjos de Realengo), entidade criada pelos pais das vítimas. Celebrada pelo monsenhor Luiz Antônio Pereira, a cerimônia prestou homenagem aos jovens, mortos a tiros pelo ex-aluno Wellington Menezes de Oliveira, que entrou na escola com duas armas e disparou contra os alunos até ser morto por um policial militar que passava por perto do colégio. Doze estudantes ficaram feridos.
A maioria dos familiares e amigos que foram à igreja trazia fotos das vítimas estampadas nas camisas e usava fitas de cor de verde, simbolizando a esperança por mudança. “Estamos lutando por colégios melhores, sem bullying, com educação de qualidade. Também queremos que cada escola tenha guardas municipais desarmados dentro de suas dependências e nos arredores”, afirma André Machado, 42 anos, pai de Luiza Paula, que tinha 14 quando foi morta.
No início da celebração, representantes de cada um dos 12 estudantes assassinados entraram na igreja em procissão. Parte dos bancos reservados aos fiéis estava ocupada inteiramente por crianças e adolescentes, como as que morreram no Tasso da Silveira. No caminho até o altar, muitos pais choraram bastante e alguns tiveram que se amparar uns nos outros. Em prantos, a mãe de uma das vítimas passou mal e foi acudida por uma criança, que a abraçou. Demonstrações de que o luto permanece intenso, mesmo dois anos após o massacre.
“A gente pensa que a dor vai diminuir com o tempo, mas só aumenta. Agora, dois anos depois, está mais apertada que no aniversário de um ano”, afirmou o eletricista Carlos Maurício Pinho, 40, pai de Rafael Pereira da Silva, morto aos 14. “A saudade só cresce. A injustiça foi muito grande”, completa. Carlos trás na camisa uma mensagem dedicada ao filho: “Meu anjo Rafael, eu não preciso te olhar pra te ter em meu mundo. Pois onde quer que eu olhe, você está em tudo. Rafael, amor eterno”.
Ao fim da missa, o grupo partiu em caminhada até a escola onde ocorreu a tragédia, que fica a cerca de um quilômetro da paróquia. À frente da procissão, estava uma garota vestida de “anja” e doze pessoas segurando balões brancos, que sustentavam os nomes das vítimas gravados em papéis. Por onde passava, a “anjinha” entregava rosas brancas. “Esse massacre foi um choque tremendo aqui no bairro. Não consigo nem ouvir falarem sobre isso que me dá uma tristeza imensa”, diz a dona de casa Palmira Lima de Sousa, 65, que mora perto da escola.
A estudante Tainá Bispo, 17, irmã de Milena Santos, que morreu quando tinha 13 anos, estudava na escola e estava no local no momento do massacre, assim como a outra irmã, Helena, hoje com 13. “A cada ano fica mais difícil. É muito doloroso”, afirma Tainá, que saiu do colégio na semana seguinte à tragédia. “Não aguentei ficar lá. Sempre que passo por perto sinto a mesma coisa que senti naquele dia, muito medo, tristeza”, confessa. Depois da tragédia, os pais de Milena tiveram outro filho, Davi, que tem nove meses.
Decepção
Na frente da igreja, uma faixa mostrava fotos dos rostos das crianças mortas sobre uma mensagem: “Cremos que estas vidas interrompidas não foram em vão”. Pelos depoimentos dos familiares, no entanto, está cada vez mais difícil acreditar no que diz a frase. “Minha maior decepção é que nada mudou. Fizeram uma maquiagem no colégio (a reforma custou cerca de R$ 9 milhões e adequou a unidade ao modelo ‘escola padrão’) e mais nada”, reclama Adriana Silveira, mãe de Luiza Paula e presidente da Afaar.
O motorista Marco Antônio de Souza, 50, pai de Mariana Rocha de Souza, assassinada aos 12, diz não sentir mais revolta, mas lamenta que outras famílias ainda estejam sujeitas a passar pela mesma situação que ele passou no dia 7 de abril de 2011. “Hoje está a mesma coisa que antes. Recentemente houve um caso em Barra do Piraí (no Sul do Estado), em que uma mulher conseguiu ter acesso livre a um colégio e matou uma criança. Pedimos mudança para que outra família não tenha que sofrer assim”, declara.
Kelly Cristina, 26, irmã de Géssica Guedes, que morreu com 15 anos de idade, também lamenta que, dois anos após o massacre, a situação de segurança nas escolas do Rio de Janeiro “continue tudo a mesma coisa de antes”.
André Machado, pai de Luiza Paula, afirma estar motivado para continuar na luta. “Lembro dela todo dia. Isso me dá força para continuar lutando por escolas mais seguras e para cuidar do nosso outro filho, que hoje tem 19 anos. Eu e minha esposa tivemos que ressuscitar”.
Para marcar a data, familiares escreveram a frase “12 anjos” com pétalas de rosa e grafiteiros pintaram o muro da escola. Ao fim da caminhada, os balões brancos foram soltos em frente ao colégio. No mesmo local, foi montado um posto para troca de armas de brinquedo por brinquedos infantis.
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