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Menor que comete crime violento deve ser julgado como adulto, defende pai de Liana Friedenbach

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

12/04/2013 06h00

Pai da estudante Liana Friedenbach, o advogado e hoje vereador em São Paulo Ari Friedenbach (PPS) afirmou que só a proposta do governo de São Paulo para endurecer as regras do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em relação a adolescentes envolvidos ou reincidentes em crimes graves não trará as respostas que o cidadão espera contra a violência.

Liana, 16, e o namorado, Felipe Caffé, 19, foram sequestrados e mortos em novembro de 2003 quando se preparavam para acampar em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo. O grupo que os sequestrou tinha quatro adultos --liderados por Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, então com 16 anos. Felipe foi executado com um tiro na nuca horas depois do sequestro; Luana foi estuprada pelos integrantes do grupo durante cinco dias até ser morta por Champinha com 16 facadas.

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Friedenbach falou com o UOL nesta quinta-feira (11) depois de o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciar que enviará ao Congresso projeto que promete endurecer aspectos do ECA em relação aos infratores de crimes violentos. A medida foi uma resposta ao assassinato do universitário Victor Hugo Deppmann, 19, vítima de latrocínio em frente ao prédio onde morava com a família, no Belém (zona leste), na noite da última terça (9), cometido por um adolescente de 17 anos --que completa 18 nesta sexta (12).

O adolescente, que foi apresentado à Vara de Infância e Juventude no Brás pela própria família nesta quarta-feira (10), foi encaminhado à Fundação Casa. A Polícia Civil vai pedir que ele cumpra a pena máxima de três anos, prevista pelo Estatuto. Pelo Código de Processo Penal, a pena para adultos que cometem crime de latrocínio pode variar de 20 a 30 anos de reclusão.

“Ainda vamos ter muitas mortes até que o Legislativo tome alguma atitude. As autoridades costumam dizer que não se deve tomar decisões no calor dos fatos, mas, nesses dez anos, vi os fatos acontecerem, esfriarem e muito pouco, para não dizer nada, tem sido feito”, declarou.

Militante de mudanças legislativas pela redução da maioridade penal, o vereador e advogado lembrou de uma audiência particular que teve com Alckmin, à época da morte da filha adolescente, na qual ouvira algumas promessas. “Foi em uma sala do Palácio dos Bandeirantes, ouvi do governador que ele aumentaria o prazo de internação na Fundação Casa a adolescentes envolvidos em crimes graves. Nada mudou”, disse o advogado.

Para o advogado, falta “a responsabilização desses jovens por crimes desse porte”. “É fundamental que se pense não apenas na redução da maioridade penal, mas também que esse menor que comete crime grave --seja estupro, homicídio ou assassinato-- seja julgado segundo o Código de Processo Penal e cumpra a pena, até os 18 anos, em uma unidade prisional da Fundação Casa, e, depois disso, o restante da pena, no sistema carcerário”, defendeu.

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"Condenado de hoje é o cidadão de amanhã"

Se ele considera o sistema penitenciário brasileiro adequado para se recuperar o jovem infrator? “Se ele comete um crime, tem que ser penalizado. Nada justifica deixá-lo em liberdade depois de três anos, no máximo. Melhorar o sistema também é preciso, mesmo porque, o condenado de hoje é o cidadão de amanhã. Mas isso tudo precisa ser feito em paralelo”, disse.

À família do universitário morto esta semana, Friedenbach sugeriu: “aprendi uma lição a duras penas e espero que isso fique para eles: precisam usar uma tragédia dessas para lutar por uma sociedade mais justa e em respeito aos entes que ficaram. Não é uma fórmula simples, mas a melhor possível, até para que a sociedade em que vivem seja mesmo, um dia, de fato organizada”, concluiu.

Pela proposta de Alckmin, que será apresentada ao Congresso pelo PSDB, o menor de idade envolvido em crimes violentos ou nele reincidentes, após completar 18 anos e sentenciado, teria de cumprir a pena em uma unidade do sistema penitenciário. Hoje, pela lei, ele pode ficar até os 21 anos em unidades destinadas a menores.

"Defendemos mudança da legislação federal. Hoje, o adolescente que comete um crime grave pode ficar, no máximo, três anos, na Fundação Casa. Queremos que esse período possa aumentar", disse o governador, ao falar da morte do universitário paulistano.

Debate na Câmara

Para o presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, Otávio Leite (PSDB-RJ), assim que a proposta chegar à Casa, o debate deve ser iniciado “para ser concluído ainda este ano”.

"Já falei com o governador sobre essas propostas. As quais, aliás, ele defende desde que foi candidato a presidente da República [na campanha de 2006]; ele já chamava atenção para esse problema”, lembrou. Se sete anos depois, portanto, o governador paulista demorou para agir?

“Não, é que agora é um momento mais oportuno para debater esse tema, livre de preconceitos político-eleitorais que contaminam as convicções dos candidatos”, definiu.

A exemplo do pai de Liana, a reportagem indagou o deputado sobre o sistema penitenciário em relação ao adolescente infrator: é adequado para recuperação do criminoso?

“O sistema é outro problema; agora, a sociedade tem que ser protegida da presença de um criminoso. É evidente que tem que ter um programa para melhorar a situação das cadeias”, encerrou.

Debate mais amplo não interessa à sociedade

Na avaliação do coordenador da Vara de Infância e Juventude do TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), Antonio Carlos Malheiros, cada vez que o debate sobre a violência cometida por adolescentes revolve a redução penal, a discussão é tratada, analisou, unilateralmente.

“Cada vez que acontece um caso como o desse do Belém, fica apenas a monstruosidade da infração. Mas a miséria material que gera outros tipos de miséria, que desagrega a família e leva essa meninada para as ruas, para o crack --altamente destrutivo--, isso , para a grande sociedade, não interessa”, observou.

O desembargador disse acreditar que casos como o do universitário deverão acelerar mudanças na maioridade, a cuja proposta de redução defendida por setores da sociedade ele se posiciona contrário.

“A redução da maioridade está criando asas cada vez mais poderosas; vai voar por aí já, já. Mas na minha caminhada pelas favelas, certo dia, encontrei um garoto de 15 anos com um [revólver] 38 na cinta. Trabalhava para um traficante desde os oito anos, na zona norte da cidade. Tentei convencê-lo, mas ele me disse o seguinte: ‘Não chego aos 18 anos. Mas a dignidade que a sociedade não me deu, aqui eu consegui. O que dizer?”

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