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Órgão ligado a Alerj denuncia tortura e agressões em unidades para menores infratores

Paula Daibert

Do UOL, no Rio

15/06/2013 06h00

O MEPCT (Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura), vinculado à Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), denuncia tratamento correspondente a tortura a adolescentes infratoras internadas no Centro de Socioeducação Professor Antonio Carlos Gomes da Costa, e agressões constantes na Escola João Luiz Alves,  ambos na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro.

Segundo Taiguara Souza, membro do grupo, que realiza visitas periódicas às unidades de internação do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas), seria prática recorrente no centro algemar as jovens com as mãos para trás e presas para cima em uma janela.

Ele cita também a posição conhecida como “bailarina”, em que as meninas são algemadas nas pontas dos pés, com o corpo e os braços esticados e as mãos presas a uma estrutura alta, como árvores ou grades.

“Não há dúvida: são posições de tortura. E não foi só uma menina que relatou esses casos, são recorrentes. Há uma prática institucionalizada da utilização indiscriminada de algemas como forma autoritária de punição das adolescentes”, afirma Souza.

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Questionado sobre a denúncia, o Degase, que é vinculado à Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, informou não ter registro dos casos. “Para desmistificar essa situação, já foi colocado à disposição da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro todas as imagens do sistema de câmeras do Centro de Socioeducação Professor Antonio Carlos Gomes da Costa que teriam registrado esse fato caso a ocorrência fosse uma prática na unidade”, disse em nota.

A defensora pública Márcia Fernandes, coordenadora do Núcleo da Infância e da Juventude no estado do Rio de Janeiro, confirma que as imagens foram disponibilizadas, mas diz que elas deveriam ser enviadas à delegacia responsável pelo inquérito. “Eu não sou perícia, cada um tem que cumprir seu papel”, afirmou.

Além disso, ela disse que as câmeras de segurança não cobrem toda a unidade e que os agentes sabem os lugares onde não são gravados. “Quando o adolescente é vítima, essas imagens nunca aparecem”, afirmou.

De forma mais ampla, o mecanismo de prevenção à tortura da Alerj destaca como um “problema estrutural no Degase” a priorização de medidas penalizantes aos adolescentes internados, como isolamento ou agressão física, em detrimento das pedagógicas. “Há um uso excessivo da força pelos agentes em represália por algum desvio praticado pelos adolescentes. Falamos em pedagogia da punição. A agressão corriqueira é uma forma de domesticá-los dentro daqueles espaços de privação de liberdade”, diz Souza.

“Todos têm escola, não duvidamos, mas o que percebemos é que é um tempo muito curto, ficam a maior parte do tempo ociosos e trancados, o que é pior”, completa Renata Lira, também membro do MEPCT, que recebeu o UOL durante uma reunião da equipe.

Ela diz ainda que as denúncias de uso da força são mais constantemente feitas por adolescentes em centros de internação do Degase que por adultos do sistema prisional, segundo sua experiência de visitas a ambos tipos de unidades.

Em represália por uma rebelião que resultou na fuga de 26 adolescentes da Escola João Luiz Alves, na Ilha do Governador, em 5 de maio, quatro dos 17 jovens recapturados teriam sofrido sessões de agressões constantes até uma visita à unidade, três dias depois, do MEPCT e de defensoras públicas.

Vagas em abrigos para menores infratores no RJ

Cense-GCA (Centro de Socioeducação Gelso de Carvalho Amaral)64 vagas
Centro de Socioeducação Dom Bosco233 vagas
EJLA (Escola João Luiz Alves)133 vagas
Centro de Socioeducação Professor Antonio Carlos Gomes da Costa44 vagas
ESE (Educandário Santo Expedito)232 vagas
CAI-Baixada (Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo)143 vagas
Centro de Socioeducação Professora Marlene Henrique Alves (Campos dos Goytacazes)80 vagas
Centro de Internação de Tratamento de Uso e Abuso de Drogas15 vagas
  • Fonte: Secretaria Estadua de Educação do Rio de Janeiro

Os quatro jovens confessaram ter agredido o agente Maxwell Vaz Rocha no momento da fuga e passaram por uma sessão de espancamento momentos antes da chegada da equipe visitante, no dia 7 de maio, que pôde testemunhar as marcas da agressão. Eles também foram punidos com isolamento em espaços com condições insalubres, segundo o MEPCT.

Os adolescentes foram levados para a 21a DP (Bonsucesso) no dia 8 de maio para exame de corpo de delito, mas a Polícia Civil informou não divulgar detalhes sobre qualquer investigação envolvendo menores de idade. Segundo o sindicato de funcionários do Degase, houve outra fuga da mesma unidade no dia 11 de maio.

Questionando por e-mail sobre as medidas tomadas frente às denúncias de espancamento, o Degase informou que a Corregedoria do sistema instaurou uma sindicância, sem especificar a data, e que, enquanto a denúncia está em fase de apuração, não há contato entre os envolvidos.

Acrescentou que todas as providências legais cabíveis, incluindo registro de ocorrência, foram realizadas, e que “os adolescentes envolvidos nessa ação foram atendidos (por equipes de médicos, assistentes sociais, psicólogos e pedagogos); as famílias, comunicadas, e continuam no seu percurso socioeducativo na unidade”.

Ainda no mês de maio, o MEPCT afirmou ter recebido relatos de espancamento a uma adolescente de 17 anos, internada na mesma unidade feminina onde foram denunciados os casos de tortura. A menina pediu socorro para uma companheira que passava mal e teria sido algemada e agredida no dia 2, enquanto estava com roupas íntimas.

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  • http://noticias.uol.com.br/enquetes/2013/04/11/voce-concorda-com-penas-mais-rigidas-para-adolescentes-infratores.js

Segundo Fabio Simas, membro do MEPCT, a adolescente só foi encaminhada para a 37a DP (Ilha do Governador) para fazer exame de corpo de delito após a visita de sua equipe, e o agressor teria tido contato com ela para tentar dissuadi-la de fazer a denúncia. “Ela fez o exame de corpo de delito dias depois da agressão, as marcas já estavam saindo. Houve omissão total por parte da direção”, completou.

O Degase afirmou que, além do registro de ocorrência, foi instaurada sindicância pela Corregedoria, que encontra-se em fase de diligência para apuração dos fatos, e todos os exames necessários foram realizados, “tanto na unidade quanto externos”. Informou ainda que não houve nenhum descumprimento de prazo legal.

A defensora Márcia lembra que os casos envolvendo adolescentes devem receber prioridade, segundo o artigo 227 de Constituição, algo que não acontece. “Uma criança não pode ficar esperando na fila comum de inquéritos. Falta efetivar a prioridade constitucional da criança e do adolescente. Esse casos devem ser redistribuídos rapidamente à delegacia especializada”, disse.