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Restaurante que explodiu no Rio usava aromatizante para esconder cheiro de gás, diz ex-funcionário

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

10/07/2013 12h51Atualizada em 10/07/2013 14h40

O auxiliar de serviços gerais Renato Costa, testemunha de acusação no processo sobre a explosão do restaurante Filé Carioca, afirmou à Justiça nesta quarta-feira (10) que os funcionários do estabelecimento utilizavam eventualmente uma substância aromatizante para aliviar o cheiro de gás que, segundo ele, já havia sido sentido no local. A explosão do Filé Carioca ocorreu em 13 de outubro de 2011, na praça Tiradentes, centro do Rio de Janeiro, e deixou quatro mortos.

Questionado pelo Ministério Público sobre a existência de um foco de vazamento de gás, a testemunha disse que, após reclamações de um funcionário, identificado apenas como Leandro, sobre o forte odor na área do subsolo --onde os cilindros eram armazenados--, a gerência do Filé Carioca providenciou a instalação de um sistema de ventilação mecânica. O auxiliar de serviços gerais esclareceu que um exaustor era ligado rotineiramente, sempre que o cheiro incomodava.

Já quanto às indagações dos advogados dos réus, Costa confirmou que, no local onde os botijões eram armazenados, também havia um odor cuja natureza não era definida com precisão, mas que se assemelhava ao cheiro de mofo.

A tese de que o exaustor fora instalado em função de um suposto cheiro de mofo foi constantemente explorada pela defesa, porém, de acordo com a testemunha, o equipamento acabou adquirindo dupla função: aliviar o odor do gás e o cheiro do mofo.

Costa, que foi demitido do restaurante cerca de três meses antes da tragédia, foi a única testemunha de acusação entre as cinco ouvidas nesta manhã pela juíza da 19ª Vara Criminal, Lúcia Regina Esteves de Magalhães. A audiência de instrução e julgamento foi acompanhada pelo principal réu do caso, o proprietário do restaurante, Carlos Rogério do Amaral. O processo tem ainda outros nove denunciados.

À Justiça, Costa relatou ainda que o local no qual estavam confinados os cilindros de gás não possuía ventilação natural, e que apenas uma parede de tijolos fazia a separação entre os botijões e o espaço destinado aos funcionários para que eles trocassem de roupa.

A testemunha afirmou ter visto, em mais de cinco oportunidades, o procedimento de troca do botijão realizado informalmente pelos entregadores da empresa SHV Gás, cujo representante legal, Mauro Roberto Lessa de Azevedo, também é réu no processo.

Segundo Costa, após a substituição, não eram feitos testes a fim de identificar possíveis vazamentos de gás.

Técnico da SHV contesta perícia

O técnico em segurança do trabalho da empresa que fornecia os botijões de gás para o Filé Carioca César Ourique afirmou em juízo estar convicto de que a explosão não foi provocada por um vazamento no subsolo do restaurante, onde o gás era armazenado, e sim no térreo, provavelmente na cozinha.

Membro de uma comissão interna formada por especialistas da SHV, a testemunha de defesa informou ter preparado um relatório sobre as possíveis causas para a tragédia, no qual avaliou fotos e vídeos veiculados pela imprensa.

A argumentação de Ourique foi fundamentada no fato de que os botijões estavam intactos após a explosão, dos quais um ainda estava conectado a uma mangueira que levaria o gás para a cozinha, conforme o relatório comprovaria através de imagens jornalísticas. Isso indicaria que a explosão teria ocorrido "de cima para baixo".

Além disso, Ourique considerou que imagens da câmera de trânsito da praça Tiradentes mostram que uma das vítimas já estava com a roupa de trabalho, na porta do estabelecimento, no momento da explosão.

Segundo ele, uma vez que o vestiário ficava ao lado dos botijões, se houvesse um vazamento em larga escala, nenhuma pessoa conseguiria chegar ao subsolo, pois teria desmaiado em razão do efeito do gás.

Embora reconheça que o local de armazenamento dos botijões estava, de fato, irregular, o especialista afirmou à Justiça entender que a causa mais provável estaria em algum evento ocorrido na cozinha, como um vazamento provocado por falha humana --um funcionário que teria esquecido aberta a boca do fogão, por exemplo.

"A explosão se deu de forma horizontal", explicou ele, argumentando que o deslocamento de ar teria sido originado no mesmo nível do epicentro da combustão.

O técnico em segurança do trabalho disse ainda que o contrato da SHV com o Filé Carioca era apenas para fornecimento de gás, e não para instalação e manutenção. Segundo ele, o fato de um entregador transportar o botijão até o ponto de armazenamento e conectá-lo à mangueira é um procedimento "simples", feito em geral pela "boa vizinhança" entre o cliente e o vendedor.

O processo

A audiência desta quarta-feira foi a primeira das três agendadas pela 19ª Vara Criminal, que convocou, no total, 50 testemunhas.

Somente nesta manhã, 20 testemunhas estariam aptas a depor, porém apenas cinco foram ouvidas --as demais ou foram dispensadas ou foram ouvidas por carta precatória. As próximas audiências estão marcadas para os dias 15 de julho e 5 de agosto.

Também foram ouvidos nesta manhã o ex-garçom do Filé Carioca Wagner Oliveira, a gerente do restaurante "Sabor do Mercado" (que também pertence ao réu Carlos Rogério do Amaral) Rosemary da Silva e o blogueiro especializado em gastronomia Flávio Sabbagh. As três testemunhas foram arroladas pela defesa.

Os dez denunciados respondem por explosão qualificada pelo resultado morte, de acordo com os artigos 251 e 258 do Código Penal. São eles Carlos Rogério do Amaral, dono do restaurante; Jorge Henrique do Amaral, seu irmão e caixa do Filé Carioca; Mauro Roberto Lessa de Azevedo, representante legal da empresa SHV Gás Brasil; Ubiracy Conceição da Silva, vendedor da SHV; José Carlos do Nascimento Nogueira, síndico do edifício Riqueza; e os fiscais da prefeitura Alexandre Thomé da Silva, Leonardo de Macedo Caldas Mendonça, Jorge Gustavo Friedenberg de Brito, Maria Augusta Alves Giordano e Regina Araújo Lauria.