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Grupo de católicas favoráveis ao aborto marca protesto para véspera da chegada do papa ao Rio

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

16/07/2013 06h00

O grupo Católicas Pelo Direito de Decidir, que reúne religiosas que militam em favor de causas relacionadas aos direitos das mulheres, fará um protesto simultâneo em 13 cidades brasileiras no próximo domingo (21), véspera da chegada do papa Francisco para a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro.

A organização não governamental quer aproveitar a chegada do pontífice para defender a legalização do aborto, a derrubada do Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), que vem sendo chamado de "bolsa estupro", a proibição do sexo antes do casamento, entre outras reivindicações.

As mulheres que participarão do ato vão exibir faixas e cartazes na frente das principais igrejas de Belém, Fortaleza, Brasília, Goiânia, João Pessoa, Campina Grande (PB), Porto Velho, Recife, Rio Branco, Salvador, Santarém (BA) e São Luís.

"Diremos o que as mulheres esperam da visita do papa e de uma igreja que não está tendo muita compaixão com as mulheres", afirmou ao UOL a coordenadora do CPDD, Valéria Melki.

Valéria explicou que, embora o grupo não pertença à estrutura eclesiástica, há cada vez mais simpatizantes de representantes da Igreja Católica. A fim de aproveitar a visibilidade gerada pela chegada do pontífice ao Rio, o Católicas Pelo Direito de Decidir lançou nas redes sociais uma campanha de conscientização.

"São materiais produzidos por jovens que abordam questões como o uso da camisinha, os direitos dos homossexuais, a proibição do sexo antes do casamento, enfim, temas que estão sempre ligados ao conservadorismo católico", explicou.

"O objetivo é mostrar para os jovens que é possível ser católico, mas pensar de uma outra maneira, não se colocando em situações de risco. (...) Católico não é aquilo que o papa quer fazer parecer. Dentro do catolicismo, há a convivência de pensamentos. O que o papa representa é apenas uma linha de raciocínio. Ninguém pode ser considerado mau católico por discordar", completou.

Segundo Valéria, no Brasil, as mulheres católicas são as que mais realizam abortos. De acordo com a premiada "Pesquisa Nacional de Aborto", realizada pela antropóloga Débora Diniz, da UnB (Universidade de Brasília), uma em cada cinco mulheres brasileiras faz pelo menos um aborto até os 40 anos. Pouco menos de dois terços das mulheres que participaram do estudo eram católicas.

Marcha das Vadias em dia de vigília da JMJ

A próxima edição da Marcha das Vadias no Rio de Janeiro será realizada no dia 27 de julho, em Copacabana, na zona sul da cidade, mesmo dia em que o papa Francisco participará de três eventos da Jornada Mundial da Juventude, entre os quais a vigília com os jovens no Campus Fidei, em Guaratiba, na zona oeste, palco principal do evento.

O ato está sendo organizado pela ativista da AMB (Associação de Mulheres Brasileiras) Rogéria Peixinho, que costuma se vestir de freira na Marcha das Vadias, e que repetirá a fantasia no próximo protesto. Segundo ela, a chegada do pontífice à capital fluminense terá como "contraponto a livre manifestação de uma outra juventude", na rua, "protestando contra a opressão e o controle da vida e da sexualidade das mulheres".

PROTESTOS NA JMJ

  • Fabio Rossi/Agência O Globo

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"A presença do papa e os recursos públicos alocados para a visita de um líder espiritual coloca em xeque a laicidade do Estado. (...) Esse tema está dentro dos eixos da marcha, assim como ao direito ao corpo, as denúncias sobre os casos de estupro que estão aumentando principalmente no Rio, e a formulação de políticas públicas de proteção às mulheres", disse ela.

A concentração do ato vai ocorrer no posto cinco da praia de Copacabana, a partir das 14h. Por volta das 16h, os manifestantes seguirão pela avenida Atlântica em direção ao posto dois, na altura da rua Senador Dantas, e entrarão na rua Nossa Senhora de Copacabana. A caminhada segue até a esquina com a rua Ministro Viveiros de Castro, com término na rua Prado Júnior.

Grupo gay diz "observar postura do papa"

O presidente do Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT, grupo que organiza a Parada Gay no Rio, Júlio Moreira, afirmou ao UOL ainda estar "observando a postura do papa" para definir se serão realizados protestos antihomofobia durante a Jornada Mundial da Juventude.

Segundo ele, até o momento, o argentino Jorge Mario Bergoglio --que, na época em que era arcebispo de Buenos Aires, expressou opiniões firmes em relação a assuntos de natureza sexual-- não "atacou diretamente" ou mesmo "condenou" os homossexuais desde que foi eleito papa.

"Em princípio, ainda estamos observando. Diferentemente do antigo papa, Bento 16, que tinha uma opinião muito clara sobre os homossexuais, o papa Francisco ainda não foi incisivo. Pode ser que outros grupos de defesa dos direitos LGBT levem em consideração o passado dele, mas pensamos que ele agora ocupa um outro cargo. Ele é o chefe da Igreja Católica. Toda fala e postura representa como a Igreja vai repercutir na sociedade", disse.

Moreira afirmou não esperar que o pontífice faça qualquer declaração sobre a homossexualidade em seus discursos durante a Jornada Mundial da Juventude. "Ele não vai mexer com assuntos que estão quentes na política brasileira. Ele vai manter o o foco na juventude e na ideia tradicional da família, assim como na questão da pobreza. Ele pode até abordar a questão da homossexualidade de uma forma mais amena, mas não acredito que adotará um tom progressista", disse.

Porém, o presidente do Grupo Arco-Íris não descartou a possibilidade de que protestos sejam realizados caso o papa Francisco venha a se expressar de forma dura em relação à população LGBT. "Vamos esperar para ver", finalizou.

Visita do papa "reforça agenda conservadora", diz Cfemea

Para a socióloga do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria) Jolúzia Batista, a realização de uma Marcha das Vadias durante a visita do papa Francisco ao Rio é "um ato de resistência política", pois a vinda do pontífice seria, na visão dela, um "reforço da agenda conservadora da Igreja Católica".

"A Marcha é um ato de resistência política sobre o que consiste, na verdade, a presença do chefe da Igreja Católica em momento em que o país está se manifestando sobre liberdades que sempre foram tensionadas, questionadas e retrocedidas em termos de políticas públicas", disse.

De acordo com Jolúzia, os grupos feministas brasileiros não têm expectativas quanto a possíveis discursos do papa sobre o tema dos direitos das mulheres no decorrer da JMJ. "Pouco provável", sintetizou a socióloga, que considera o perfil do pontífice um "avanço em relação à postura tradicionalmente conservadora da Igreja Católica":

"Ele tem um perfil de combate à pobreza, mas ainda que ele tenha essas características, o dogma permanece. De qualquer forma, o perfil dele já é algo diferente".

Perfil conservador

Na Argentina, Bergoglio é conhecido pelo conservadorismo e pela batalha contra o kirchnerismo. O prelado também é reconhecido por ser um intenso defensor da ajuda aos pobres, e costuma apoiar programas sociais e desafiar publicamente políticas de livre mercado.

O pontífice é considerado em seu país natal um ortodoxo conservador em assuntos relacionados à sexualidade, se opondo firmemente contra o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o uso de métodos contraceptivos.

Em 2010, entrou em controvérsia pública com a presidente Cristina Kirchner ao afirmar que a adoção feita por casais gays provoca discriminação contra as crianças.