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Preso enquanto filmava manifestação no Rio, professor da Fiocruz é enquadrado na Lei do Crime Organizado

Maria Luisa de Melo

Do UOL, no RIo

17/10/2013 17h06

O professor e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Paulo de Abreu Bruno, um dos 64 presos durante o protesto que reuniu milhares de manifestantes na tarde da última terça-feira (15) no Centro do Rio de Janeiro, foi preso enquanto filmava o conflito entre policiais e manifestantes.

Levado para a 37ª DP (Ilha do Governador), Paulo foi autuado por dano ao patrimônio público, roubo, incêndio e formação de quadrilha – todos considerados crimes inafiançáveis. Ele foi um dos enquadrados na nova Lei do Crime Organizado (12.850/2013) e está preso na Cadeia Pública Juíza Patrícia Lourival Acioli, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.

Procurado pela reportagem do UOL, o delegado titular da 37ª DP (Ilha do Governador), José Otílio Bezerra, informou que, por estar envolvido numa ocorrência na distrital, não poderia dar informações sobre este caso. Ele informou apenas que todos os 20 presos na 37ª foram enquadrados na Lei 12.850/2013.

Já um inspetor da mesma distrital, identificado apenas como Bornier, consultou o sistema da Polícia Civil a pedido do UOL e informou que o professor foi autuado nos artigos 1º (parágrafo 1º) e 2º da lei.

"Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional", diz o primeiro parágrafo do artigo 1º. Outro trecho citado no boletim de ocorrência do professor Paulo Bruno fala de organizações e atos terroristas internacionais.

Veja onde são as delegacias para onde foram levados os manifestantes

  • Arte/UOL

De acordo com nota divulgada pela ENSP, a gravação feita pelo professor seria usada em pesquisa de movimentos populares urbanos, um de seus principais objetos de estudo. Ainda de acordo com a nota, desde junho, Paulo vem recolhendo material e fazendo registro fotográfico das manifestações que acontecem no Rio de Janeiro. Ele também atua no campo da saúde coletiva e ambiental, tanto em comunidades indígenas amazônicas como em favelas.

Mulher de Paulo, a pós-doutoranda Carla Vilela classificou a ação da polícia como “arbitrária” e “absurda”. Ela acompanhava o marido no momento em que o casal foi abordado por policiais militares. Enquanto ele foi encaminhado para a Ilha do Governador, Carla foi levada para a 22ª DP (Penha), mas acabou liberada em seguida.

“Quem a polícia tem que prender ela não prende. A prisão de manifestantes foi uma coisa absurda e completamente arbitrária. Muitos trabalhadores como eu e meu marido fomos enquadrados. Ele estava com uma câmera na mão. Mas, e eu, que estava sem nada nas mãos?”, criticou Carla.

“Eu não estava fazendo absolutamente nada e também fui levada para uma delegacia. E até agora não me explicaram porque eu e o Paulo fomos para delegacias diferentes”, cobrou.

Os dois advogados da Fiocruz que acompanham o caso não foram localizados pelo UOL. Segundo Carla Vilela, no entanto, um pedido de soltura de Paulo aguarda parecer do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Depois da prisão do professor e pesquisador, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), paralisou as atividades na tarde desta quinta-feira (17) e realiza um ato em repúdio às 64 prisões que ocorreram depois de uma grande manifestação realizada no Centro do Rio de Janeiro na última terça-feira (15).

O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, entrou em contato com a chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegada Martha Rocha, buscando informações e pedindo acompanhamento do caso.

Nova lei aumentou número de detenções

A nova Lei de Organização Criminosa (12.850/2013), que entrou em vigor no dia 19 de setembro deste ano, possibilitou a prisão e apreensão em flagrante de mais pessoas durante o protesto, segundo a chefe da Polícia Civil, Martha Rocha explicou durante coletiva de imprensa.

 

A nova lei considera organização criminosa "a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional".

A pena da nova lei varia de três a oito anos de prisão, "sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas".

Até que ela entrasse em vigor, em setembro, vândalos detidos em protestos eram enquadrados no crime de dano ao patrimônio e liberados, já que a pena prevista é inferior a quatro anos de prisão.