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Marchinhas finalistas de concurso no Rio falam de black bloc, maconha e sumiço de vigas

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

10/01/2014 06h00

Há dois anos, lendo jornal, o cavaquinista Henrique Cazes observou que a Marcha da Maconha --manifestação que ocorre em várias cidades brasileiras em defesa da legalização da maconha-- era "uma piada pronta", segundo ele. A inspiração deu origem à marchinha que leva o nome do protesto, "Marcha da Maconha", uma das dez finalistas da nona edição do Concurso Nacional de Marchinhas. "Eu não podia perder esse duplo sentido", afirma o compositor.

A escolha da campeã acontecerá no dia 16 de fevereiro, na Fundição Progresso, na Lapa, bairro boêmio do Rio de Janeiro. "Marcha da Maconha" vai concorrer com outras músicas inspiradas em temas do cotidiano, a exemplo do roubo das vigas do Elevado da Perimetral, que ocorreu em setembro do ano passado, e da onda dos black blocs --tática anarquista utilizada nas manifestações que se espalharam pelo país desde junho de 2013.

"Eu olhava as manchetes sobre a proibição da marcha, as notícias de que ela havia sido liberada, e depois as manchetes que diziam que a passeata reuniu dez mil pessoas. Eu pensava que alguém tinha que compor alguma coisa sobre a Marcha da Maconha. (...) A ideia veio no começo de 2012 e se fortaleceu desde que as manifestações começaram", afirmou Cazes.

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O cavaquinista disse ter se empolgado ainda mais com a ideia depois que "a grande mídia passou a tratar o assunto de forma diferente", em referência à repercussão sobre a liberação da maconha no Uruguai e no Estado do Colorado, o primeiro a vender a droga para fins recreativos nos Estados Unidos.

"Sou músico há 38 anos. Não sou usuário porque eu não gosto, mas convivo em ambientes de trabalho nos quais a maconha é uma coisa completamente absorvida. Está sempre presente, e eu convivo com isso de forma extremamente natural. Como o próprio Mujica [José Mujica, presidente do Uruguai] falou: 'Não estou liberando nada. Estou apenas regulando um mercado que já existe'", declarou.

A viga sumiu

"Cadê a viga", de autoria do guitarrista Cássio Tucunduva e de sua mulher, Rita Tucunduva, também surgiu com a leitura matinal do noticiário. "Eu vi o sumiço das vigas no jornal e achei aquilo engraçado. Na hora, pensei que o assunto daria uma boa marchinha. A Rita fez a letra e eu, a melodia. Foi tudo muito rápido", disse o músico.

Veja imagens de blocos de rua no Carnaval
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Tucunduva, que inscreveu duas marchinhas no concurso, afirmou que não esperava que a música sobre o desaparecimento das vigas fosse escolhidas para a final. "Eu compus uma outra falando sobre a cueca do Dirceu, e achava que essa teria mais chances por conta do fator político. Mas acho que a questão da viga é mais popular. Foi uma ideia simples e espontânea", explicou.

Para a cerimônia de escolha, o guitarrista revelou que está preparando uma apresentação teatralizada: "Chamei um grupo amigos para 'bolar' uma apresentação especial. Esse grupo foi batizado de 'Perdidos na ponte' [Tucunduva é natural de Niterói, na região metropolitana do Rio, e escolheu o nome em alusão à ponte Rio-Niterói]. Seremos os intérpretes dessa marchinha na Fundição Progresso".

Crítica à Operação Lei Seca

Henrique Cazes, autor de "Marcha da Maconha", disse ainda ter aproveitado a marchinha para incluir uma crítica à Operação Lei Seca, que ele considera "retrógrada" e "absurda". Na visão do músico, a "política de tolerância zero imposta pelo Estado trouxe prejuízos para aqueles que trabalham com entretenimento".

A LETRA

Desberlota aí que eu enrolo para você / Depois só falta um canto sossegado para acender / O Carnaval com Gererê é animado / Fazendo finos, maricas e baseados / Plantando em casa não se gasta mais dinheiro / Mas tem um ano que eu não caibo no chuveiro / Com três tapinhas nós fazemos um carnaval / Não tem lei seca que segure o pessoal!

"Marcha da Maconha", uma das dez finalistas do Concurso Nacional de Marchinhas 2014

"Você teria que ter uma margem. Um limite aceitável. Você pode muito bem sair, tomar um vinho e voltar para casa sem cometer crime algum. Essa brincadeira da marchinha com a Lei Seca já é uma grande satisfação para mim", completou.

Segundo o compositor, as blitze da Lei Seca fizeram com que houvesse uma diminuição de até 40% dos espaços de música ao vivo no bairro da Lapa.

"Eu vivo isso de forma direta. As casas de música ao vivo se transformaram em bares abertos para a garotada tomar cerveja do lado de fora. (...) Isso penaliza uma parte desse mercado de entretenimento e não traz nenhuma mudança de comportamento", disse.

ENTENDA O BLACK BLOC

O "black bloc" ("bloco negro") não é um grupo específico de manifestantes, mas sim uma forma violenta de agir adotada por manifestantes que se dizem anarquistas.

A tática "black bloc" consiste em "causar danos materiais às instituições opressivas". Na prática: depredar estabelecimentos privados --agências bancárias entre eles-- e pichar paredes.

"Menina black bloc"

Também finalista, a marchinha "Menina black bloc", composta por Oswaldo Pereira, utiliza a temática dos protestos para contextualizar uma história de amor entre um jovem comodista e uma garota que seria adepta da tática anarquista black bloc.

Na música, Pereira menciona algumas das ações executadas pela Polícia Militar para reprimir as manifestações: "Eu vou botar na rua / Um batalhão de choque / Gás de pimenta e bomba / De efeito imoral / Pra a gente quebrar tudo nesse carnaval".