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Sem fiscalização, vagões femininos são desrespeitados no Rio

Jacyara Pianes

Do UOL, no Rio

02/02/2014 06h00Atualizada em 02/02/2014 09h47

Vigora no Rio de Janeiro, desde 2006, uma lei estadual (4.733) que disponibiliza vagões exclusivos para mulheres nos trens e metrôs durante os horários de pico (de 6h às 9h e das 17h às 20h). A regra, no entanto, é controversa e pouco cumprida.

De acordo com o relatório de fiscalização e indicadores operacionais de outubro de 2013 – o mais recente disponível - da Agentransp (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos de Transportes do Rio), naquele mês, de 2.039 carros femininos inspecionados, em quase 60% havia homens.

Até este período do ano passado, as piores situações costumavam ser encontradas no ramal Belford Roxo, que, em julho, chegou a ter quase 100% dos carros inspecionados com a presença de homens.

Números da SuperVia

  • 40%

    dos 3.260 trens inspecionados não contavam com iluminação completa

     

  • 30%

    de 3.076 trens em operação tinham janelas avariadas

     

  • 40%

    dos trens, entre 5.799 fiscalizados, estavam sujos externamente

     

  • 10%

    de 3.262 trens analisados em uso estavam sujos internamente

     

  • 445

    trens circularam com as portas abertas, entre 5.790 inspecionados

     

Dados de out.2013, divulgados pela Agetransp

    A SuperVia, concessionária que gere os trens urbanos do Rio de Janeiro, afirma que cumpre com a Lei Estadual nº 4.733/06, que determina a identificação e disponibilização de um carro exclusivo para mulheres nos horários de maior movimento, mas que não tem autonomia para retirar os homens de dentro dos vagões femininos. A Supervia afirma ainda que investe em campanhas de conscientização para orientar e ampliar a boa convivência também dentro dos trens.

    Ana Paiva, 70, é auxiliar-administrativa e pega, de segunda a sexta, um trem entre Olaria e São Cristóvão, justamente no horário de pico. Para ela, o carro feminino pouco faz diferença.

    “Às vezes procuro [o vagão rosa], mas às vezes está cheio, e a maioria tudo é homem”, contou. Ela diz também que são raras as vezes em que consegue viajar sentada –enquanto ela falava com a reportagem do UOL, de pé, vários homens dormiam sentados no vagão feminino, por volta das 7h30. 

    Para os homens, a justificativa para burlar a regra é a superlotação dos demais vagões, enquanto os das mulheres fica, geralmente, mais vazio. Para Marcos César, que pegava uma composição da Penha à Central, no ramal de Saracuruna, também por volta das 7h30, a situação é injusta.

    “Respeitar eu respeito [as mulheres], mas vou deixar de trabalhar porque só elas podem entrar no vagão e os outros não têm nem condição de entrar? A culpa é minha? Complicado!”, diz.

    A babá Noelia Nunes relata que já passou por situações de assédio no vagão feminino. “Tava [sic] o trem muito apertado e ele vinha nas minhas costas. Eu falei 'se você encostar de novo, te dou uma bolsada na cara', e ele achou ruim”, lembra.

    Segundo ela, a fiscalização só coíbe a entrada de homens nos carros na Central, quando há agentes por perto. “Não vejo avanço, continua tudo do mesmo jeito. O vagão é da mulherada, mas os homens tão entrando”.

    Embora a reclamação dos homens seja a de que a lei piore a lotação dos trens, para o professor Hostilio Ratton, do Programa de Engenharia de Transportes da pós-graduação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ela não muda muito a situação em relação à qualidade do sistema.

    “Claro que a reserva de carros só para as mulheres e no horário do pico também em princípio concorreria para a pior qualidade do transporte. Mas, como o transporte já é muito ruim e, por ser ruim, não consegue assegurar a aplicação da lei, o efeito sobre a qualidade já ruim do transporte é desprezível. Não melhora para as mulheres e não piora para os outros”, diz.

    Segundo a professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e representante do Brasil no Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (Organização das Nações Unidas) Silvia Pimentel, a ideia de um vagão separando homens de mulheres revela um estágio civilizatório muito primitivo da população, repleta de estereótipos machistas e patriarcais.

    Para Silvia, a lei dos carros femininos funciona enquanto estágio temporário para uma mudança de comportamento. Mas, por ser de 2006 e ainda haver relatos de abusos, pode ser questionada. “Ela só faz sentido acompanhada de programas na área de educação e cidadania”, diz.

    Já a Agetransp diz que fiscaliza a disponibilização dos vagões, de agentes de apoio e de sinalização por parte das concessionárias, conforme previsto em lei. E esclarece ainda que, embora fiscalize a presença dos homens em vagões exclusivos, não cabe multa à SuperVia, que cumpre a determinação de oferecer os carros, e nem aos passageiros irregulares – conforme texto da lei.

    Vou deixar de trabalhar porque só elas podem entrar no vagão e os outros não têm nem condição de entrar? A culpa é minha?

    Marcos César, usuário do ramal de Saracuruna

    Segundo José Luiz Lopes Teixeira, gerente de fiscalização da Agetransp, os carros femininos são uma questão complexa, na qual a ação coercitiva pode ser um complicador.

    “A repressão atrasa. Nossa tentativa é de gerar cada vez mais um comportamento por cultura, trabalhando em relação a esse aspecto. O usuário faz parte do sistema, o comportamento dele pode piorar ou melhorar a situação”.