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PM que diz ter escapado da morte agradece a São Jorge no Rio de Janeiro

Devoto de São Jorge, o PM Marcelo Santos de Freitas carrega imagem no dia do santo - Lucas Landau/UOL
Devoto de São Jorge, o PM Marcelo Santos de Freitas carrega imagem no dia do santo Imagem: Lucas Landau/UOL

Bernardo Tabak

Do UOL, no Rio

23/04/2014 13h47

Pouco antes das 5h, ainda na madrugada desta quarta-feira (23), milhares de devotos se espalhavam pelo entorno da Igreja de São Jorge, no centro do Rio. O vermelho e o branco eram onipresentes, nas roupas, colares e velas, de todos os tamanhos, acesas com pedidos e orações.

Bem em frente à igreja cristã, o batuque dos tambores e cânticos entoados por espíritas celebravam o santo guerreiro, demonstrando a força do sincretismo na crença de São Jorge, que na Umbanda recebe o nome de Ogum.

Ainda estava escuro, quando às 5h em ponto o som da corneta vindo do interior da igreja calou a multidão. Muitos estão com as palmas voltadas para os céus, outros juntam as mãos para rezar. Os olhos fechados demonstram a concentração da fé.

Segundo a tradição católica, o toque simboliza a morte de São Jorge, degolado em 23 de abril de 303 por ter reafirmado sua fé no cristianismo, em uma época onde cristãos eram perseguidos e mortos pelo Império Romano. A corneta se cala e o padre brada: “Viva São Jorge”, no que seguem aplausos esfuziantes. São Jorge não é o padroeiro da cidade, mas seu dia é feriado no Rio.

Muitos fiéis carregavam pequenas imagens do santo, que se popularizou como o guerreiro a cavalo apontando a lança para um dragão. Mas o policial militar Marcelo Santos de Freitas, 37, levava um quadro grande, com uma enorme medalha de São Jorge.

“Eu e minha mulher chegamos às 22h de ontem, para ficar logo no começo da fila e conseguir assistir à missa da alvorada”, conta ele, sem dar sinais de cansaço. “Eu consegui benzer a medalha. Ainda está molhada da água benta”, mostra o PM.

Marcelo explica que começou a vir à igreja há cerca de dez anos, depois de um episódio o qual ele acredita que o santo salvou-lhe a vida. “O meu irmão soube que um bando de criminosos de um bairro vizinho iria me executar, num domingo, quando sempre me reúno para jogar bola com amigos. O motivo da minha morte? Só o fato de eu ser PM, para ganhar moral com o chefe do tráfico, pegar minha arma”, conta ele.

“Era 23 de abril, dia de São Jorge. E acabei dormindo no carro depois de voltar de uma festa, de madrugada. Quando acordei, tinha perdido a hora do futebol. Acredito que foi São Jorge que protegeu minha vida”, conclui Marcelo, que, desde então, todos os anos prestigia o santo nesta data.

Às 5h45, o dia começa a raiar, bastante nublado e com um chuvisco. A lua minguante ainda está no céu. “Você sabia que na, lua cheia, se você observar bem, aquela sombra na superfície é a imagem de São Jorge?”, indaga o taxista Delmar Afonso Hercules, 60.

Sozinho, em uma das enormes filas que se formavam para cada uma das duas entradas da igreja, se abrigava sob o guarda-chuva. Curiosamente, vestia uma camisa com uma palavra estampada: “Ogum”, escrito em letras grandes. “Todo católico é espírita e vice-versa”, afirma Delmar, convicto.

“E tanto na Umbanda quanto na igreja, sem dúvidas, é o santo mais festejado”, reforça o taxista, que reclama da venda de cerveja no local. “Muita gente vem pra cá ficar bebendo. Acaba dando em confusão. Eu acho uma falta de respeito”, complementa.

Nos arredores da igreja, vendedores ambulantes oferecem camisetas, velas, toalhas, pôsteres, chapéus, medalhas, colares e pulseiras. Tudo com a temática de São Jorge, o mais pop dos santos.

Outros camelôs vendem bebidas alcoólicas variadas, churrasquinho e salsichão. Três carros-patrulha e uma picape da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) tentam organizar a área, mas não impedem a ação de flanelinhas, que cobram dos motoristas para estacionar carros em cima das calçadas das apertadas ruas do centro.

Pouco tempo depois do comentário do taxista Delmar, surge a confusão: dois policiais militares intervêm junto a três homens que brigavam. Um deles sangra no rosto. Tudo é resolvido ali mesmo.

Às 6h15, novamente se escuta os acordes da corneta, que toca “Ave Maria”, na composição de Franz Schubert. Desta vez, os fiéis acompanham a melodia, de forma comedida. Enquanto isso, um grupo de mulheres aguarda a hora de adentrar à missa. São quatro gerações da mesma família devotas de São Jorge.

A matriarca, Therezinha Ferreira, 83, tem cinco filhos, 12 netos e 15 bisnetos. “Nós fizemos uma promessa a São Jorge de virmos sempre juntas a igreja no dia dele para agradecer pela minha filha ter nascido sem qualquer problema”, conta Juliana Cristina dos Santos Ferreira, 30, neta de Therezinha. Quando estava grávida, Juliana teve dengue, e havia risco para o bebê.

Hoje, aos 5 anos, a pequena Gabriela, bisneta de Therezinha, filha de Juliana, tem a saúde perfeita, e não sofreu qualquer problema por conta da dengue. “Eu gosto muito de São Jorge. Ele me traz saúde”, diz, com um sorriso, a mais nova devota da família Ferreira.