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Participantes da Parada Gay relatam homofobia na rua, escola e trabalho

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em São Paulo (SP)

05/05/2014 06h00

A homofobia virou agora homolesbotransfobia. É difícil pronunciar o novo termo. Mas ainda é mais difícil combater essas agressões. O UOL ouviu vários relatos de violência e discriminação por parte dos participantes da 18ª Parada do Orgulho LGBT, cujo lema era a criminalização da homofobia.

O mais chocante foi o da operadora de telemarketing Paola Michele, que acusa agentes penitenciários de Belo Horizonte (MG) de tortura e estupro durante uma visita sua a um primo detido. "Denunciei ao Ministério Público, fui ameaçada de morte e hoje vivo em São Paulo. Fiquei escondida por dois anos, mas agora quero expor minha história", conta Paola.

Dois depoimentos falam de agressão com facas. A cabeleireira Bruna Surf, 18, foi agredida pelo próprio pai, que não aceitava a homossexualidade dele. "Fui à delegacia do Jardim Ângela (zona sul de São Paulo) para fazer o boletim de ocorrência, e os policiais falaram para eu voltar para casa e matar meu pai. Preferi sair de casa e nem consegui fazer o B.O.", conta a cabeleireira.

Líder dos ativistas transexuais, Janaina Lima conta que recebeu uma facada no pescoço enquanto trabalhava na rua como travesti. "Foi um sujeito meio serial killer que agrediu e matou vários colegas em São Paulo", afirma Janaina.

Estima-se que no Brasil, a homofobia custou a vida de 312 pessoas em 2013 (uma vítima a cada 28 horas). Segundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia, o país é o primeiro no ranking mundial nesse tipo de crime (em 2012, 44% desse tipo de crime no mundo foi praticado no Brasil).

Outra agressão relatada aconteceu com Bia Oliveira, que reagiu após ser chamado de "viado". Quatro garotos chutaram e socaram seu corpo. "Foi dentro de um albergue para moradores de rua de São Paulo, e os funcionários não me ajudaram. Ficaram só olhando."

Muitos entrevistados falam que "por sorte" nunca sofreram homofobia. Outros contam que tiveram de correr para escapar de agressões. A consultora Suelen de Oliveira lembra que  fugiu com a namorada após ser xingada e ameaçada por um grupo de garotos. "Eles nos chamaram de 'botinudas' e correram atrás de nós. Foi no meu bairro, e eu conhecia de vista meus agressores", afirma a militante lésbica.

Já a drag queen Penélope Butterfly teve a ajuda de um motorista de ônibus para escapar da violência. "Estava indo para uma balada, e uns meninos começaram a mexer comigo. Quando perceberam que eu era um homossexual, eles começaram o me xingar. Eu tive que sair rapidinho do ônibus porque eles queriam me bater", conta Penélope.

Há relatos de discriminação na escola, no trabalho e na igreja. "No ensino fundamental, os meninos sempre me chamavam de 'mocinha' e 'bichinha'. Foi muito difícil na época, mas, depois que eu defini minha sexualidade aos 21 anos, isso ficou no passado", diz o cobrador Marcos Tiago, 27.

"Uma colega começou a fazer piadas que eu assediava as outras no vestiário. Levei o assunto para nosso chefe que repreendeu a garota, e ela parou com essas insinuações", afirma a ascensorista Thais Martinasso.

"Eu era seguidor da Assembleia de Deus, eles me mandaram para um retiro para tentar me curar", conta o cuidador de idosos Maurício Santana, hoje fiel a uma igreja evangélica que inclui homossexuais.

Por seu lado, João Nery culpa o Estado brasileiro pela violência que homossexuais e transexuais sofrem. Ele foi a primeira pessoa a fazer operação de mudança de sexo no Brasil. Isso aconteceu em 1978, em meio ao regime militar. Nascido mulher, João virou homem, mas teve que criar RG e CPF falsos para poder ter uma identidade masculina. "O Estado me deve por ter perdido uma profissão, uma carreira, uma vida por não permitir minha mudança de gênero", afirma, lembrando que era psicóloga ao fazer a operação. Após a cirurgia, ele não podia exercer o que estudou.

A história de João Nery é tão emblemática dos transexuais que seu nome batiza o projeto de lei para permitir a mudança de gênero nos documentos oficiais.

Presidente da organização da Parada LGBT, Fernando Quaresma diz acreditar que nunca sofreu homofobia por ser advogado, e isso inibir possíveis agressões. Mas ele já defendeu judicialmente muitas vítimas. "A família, o trabalho e a escola são os principais locais de agressão. Quando a briga é familiar, tentamos primeiro uma reconciliação, mas já houve casos dos pais perdem a guarda dos filhos", conta Quaresma.