Topo

Motivo de mágoa de Drummond, igreja em MG fica vermelha após restauro

Fachada da Igreja de São José, principal templo católico em Belo Horizonte, em reforma, revela suas cores originais - Carlos Eduardo Cherem/UOL
Fachada da Igreja de São José, principal templo católico em Belo Horizonte, em reforma, revela suas cores originais Imagem: Carlos Eduardo Cherem/UOL

Carlos Eduardo Cherem

Do UOL, em Belo Horizonte

06/11/2014 06h00

A Igreja de São José, importante templo católico em Belo Horizonte, voltou a ser vermelha, laranja e cinza. As novas cores foram reveladas na semana passada, com o início da restauração da área externa do espaço, a partir do projeto original, feito pelo arquiteto Edgard Nascentes Coelho, em 1901.

Situada na avenida Afonso Pena, no centro da capital mineira, é frequentada por cerca de 2.000 pessoas por dia. Boa parte dos habitantes a consideram como a principal da cidade, por desconhecimento de que a catedral metropolitana é representada pela Igreja da Boa Viagem, distante 500 metros desse local.
 
A fama também vem de uma mágoa do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), em um episódio que ficou registrado na história e na literatura brasileira (leia mais abaixo).
 
A reforma, totalmente bancada por fiéis, com doações em média de R$ 10, é estimada em R$ 1,4 milhão e deve ficar pronta antes do Natal.
 
Foram feitas prospecções nas paredes e encontradas, sob camadas de tinta, os tons vermelho, laranja e cinza. “Por meio de fotografias antigas, em preto e branco, foram visualizados os desenhos. As cores puderam ser verificadas no projeto original da igreja e nas prospecções no reboco”, diz Flávio Campos, vigário paroquial da Igreja de São José.
 
Foram encontradas duas camadas, além da atual, de repinturas sobre a original de colorações terrosas e azul. Foram localizadas ainda tons alaranjados (de cor de tijolo) e vermelhos (de cor de óxido de ferro), dispostos alternadamente em faixas das paredes externas, e um tom azul-escuro um tanto esverdeado nas colunas, junto a douramentos.
Fachada da igreja de São José (MG) - Carlos Eduardo Cherem/UOL - Carlos Eduardo Cherem/UOL
A fachada da igreja vista de outro ângulo
Imagem: Carlos Eduardo Cherem/UOL

Reforma do interior

A pintura que está sendo refeita corresponde a uma pintura da igreja feita em 1928 pelo alemão Wilhelm Schumacher. A primeira pintura, considerada apenas decorativa, era uma simples imitação de pedras.  

A igreja de padres redentoristas teve seu interior restaurado entre 2010 e 2013. Só o trabalho de adaptar a luminosidade para destacar as pinturas parietais (feitas nas paredes e nos tetos também por Schumacher) consumiu dois anos de serviço, entre 2011 e 2012.

O interior da igreja reúne grande variação de motivos religiosos e pagãos. Há figuras de 28 santos, divididas entre homens de um lado e mulheres de outro, painéis mostrando José do Egito sendo vendido pelos irmãos e seu retorno triunfal, além de símbolos do Zodíaco, que para os católicos representam constelações.

Rompimento de Drummond

A Igreja de São José foi uma das causas do rompimento de Carlos Drummond de Andrade, mineiro de Itabira, com a cidade de Belo Horizonte, cujas ruas e habitantes permearam boa parte de sua obra. Foi lá que o escritor, considerado um dos mais influentes poetas brasileiros do século 20, estudou e iniciou sua carreira literária.

Drummond deixou de lado as crônicas que publicava no "Jornal do Brasil" e, em 14 de agosto de 1976, publicou no espaço o poema “Triste Horizonte”.

Foi o anúncio do rompimento com a cidade. O poeta jamais retornou a Belo Horizonte até sua morte, em agosto de 1987. Dias antes da publicação, a Igreja de São José havia aberto seus jardins para a instalação de um estacionamento e anunciava a venda dos terrenos de dois quarteirões laterais, na rua Tupis e na rua Rio de Janeiro, onde antes existiam jardins, para a construção de um complexo de lojas, que ocupam a área há 30 anos.

Leia o poema:

“Anda! Volta lá, volta já. E eu respondo, carrancudo: Não.

Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser.

Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira. Quero não saber da traição de seus santos. Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos.

São José, no centro mesmo da cidade, explora estacionamento de automóveis. São José dendroclasta não deixa de pé sequer um pé-de-pau onde amarrar o burrinho numa parada no caminho do Egito. São José vai entrar feio no comércio de imóveis, vendendo seus jardins reservados a Deus.

Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor.”