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Por que chove em SP, mas o Cantareira continua caindo?

Solo úmido e rachado da represa de Atibainha, que integra o sistema Cantareira - Luis Moura/Estadão Conteúdo
Solo úmido e rachado da represa de Atibainha, que integra o sistema Cantareira Imagem: Luis Moura/Estadão Conteúdo

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

04/12/2014 12h05

As chuvas que atingiram São Paulo no final de novembro geraram expectativas na população de que o Cantareira teria, enfim, um respiro em meio à crise da falta de água. Atualmente, o sistema tem pouco mais de 8% de seu volume, mesmo após o uso emergencial de duas cotas do chamado volume morto --água abaixo do nível das comportas das represas.

No entanto, apesar de outros sistemas terem registrado discreta alta após as chuvas, como Alto Tietê e Guarapiranga, o Cantareira continuou em queda. A última vez que o sistema registrou alta foi em 16 de abril deste ano.

Segundo especialistas, isso aconteceu e deve continuar acontecendo por uma série de fatores. Além do sistema Cantareira estar sobrecarregado com o solo ressecado --o que atrasa a recuperação do volume de água perdido-- a localização da maioria de suas represas é afastada da capital, onde as chuvas foram registradas.

Outro motivo importante para as sucessivas perdas é que o índice pluviométrico dos últimos meses --até mesmo de novembro-- continuaram abaixo de suas respectivas médias históricas na região do sistema.

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"Se cai 30 mm de chuva nas represas em 24 horas, então teríamos 2, 3 mm por hora. É muito pouco, ainda mais em uma área de milhares de quilômetros quadrados como o Cantareira", explica o engenheiro civil, sanitarista e professor da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) José Roberto Kachel, que trabalhou na Sabesp por 34 anos.

Para Kachel, a retirada de água do Cantareira continua sendo maior do que a água que chega ao sistema. Essa água atualmente chega principalmente por meio da interligação com outras represas. "Entram seis a sete metros cúbicos por segundo e a Sabesp está tirando 20", diz ele, que considera a subida dos índices de outros sistemas hídricos do Estado como uma "coincidência". "O volume sobe em um dia mas cai no outro, não adianta nada", explica o professor.

O professor da USP e ex-presidente da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Hídricos) Rubem Porto concorda. "Para que o Cantareira comece a recuperar, tem que chover muito mais do que o necessário, ou retirar muito menos água, ou as duas coisas", argumenta. "Mas a retirada já está chegando no limite. Em épocas normais retirávamos 31 m³/s e hoje a vazão está em 16 m³/s, praticamente a metade".

Antônio Carlos Zuffo, professor do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), explica que a chamada chuva convectiva --de curta duração e alta intensidade, causada pelo massas de ar quentes-- traz pouco resultado para a condição atual do Cantareira, quase vazio e, portanto, com o solo seco.

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"O solo é um grande reservatório, pode ser um outro Cantareira. A água da chuva infiltra, mas a velocidade com que infiltra é pequena. Escoa entre as partículas do solo e vai ao ponto mais baixo, então a água que infiltra hoje só chega ao reservatório daqui a meses. O problema é que, como chove pouco, há pouca recarga. É preciso chover prolongadamente para carregar o solo exaurido", descreve Zuffo.

Os especialistas tem versões distintas sobre o papel da Sabesp e do governo de São Paulo no esgotamento do Cantareira. "Sempre é possível tomar decisões melhores no passado, mas o fator preponderante foi a seca. Foram condições hidrológicas as quais nenhum governo teria controle", opina Porto.

"Mesmo que tivessem feito antes as obras para melhorar o sistema, isso só teria amenizado a situação. O governo peca mesmo em não informar a gravidade dos fatos para a população", complementa Kachel.

"Se tivéssemos diminuído o consumo antes, teria adiado o problema. Hoje estamos com um deficit de 21% do volume, então se conseguirmos ganhar 5% no ano que vem, ainda estaremos no negativo. Agora a gente só pode esperar por chuvas, porque as soluções de engenharia vão demorar anos para serem concluídas", critica Zuffo.