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Favela do Jaraguá luta para continuar sendo favela em Maceió

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

24/12/2014 06h00

Localizada na parte histórica de Maceió, em Alagoas, a favela do Jaraguá tinha tudo para ser mais uma comunidade como outra qualquer. Pessoas pobres vivendo em uma área insalubre, sem rua asfaltada, com esgoto a céu aberto e ligações de energia clandestina.

O que difere a favela das outras milhares do país é que parte dos moradores luta na Justiça --e conseguiu liminarmente-- o direito de continuar no local, mesmo já tendo recebido as chaves de apartamentos novos, dados sem qualquer custo pelo poder público em um conjunto a 4 quilômetros do local, à beira-mar e com infraestrutura completa.

A comunidade que vive no Jaraguá é formada basicamente por pescadores, que moram e trabalham no local. A favela existe em uma área ocupada irregularmente e sem estrutura adequada.

Em 2007, a Prefeitura de Maceió cadastrou as famílias que receberiam moradias novas. Cinco anos depois, foi entregue o conjunto Vila dos Pescadores, com 450 unidade. Hoje, 431 delas já estão ocupadas por pescadores que aceitaram se mudar da favela. Mas 19 se recusam e lutam para manter a favela onde está.

Desde a inauguração dos prédios, a prefeitura tenta convencer os moradores rebeldes a deixarem seus barracos. Na área onde está a favela será construído um centro de atividade pesqueira, com mercado para comercialização do pescado, estaleiro para construção e conserto das embarcações e material frigorífico.

“Todo o projeto foi discutido com comunidade. A obra desse centro já está licitada, o dinheiro está reservado na Caixa e estamos aguardando apenas a sentença determinar a remoção desses moradores para que possamos dar início”, explicou o secretário de Habitação Popular Saneamento de Maceió, Mac Lira. A previsão de custo da obra é de R$ 8 milhões.

Disputa judicial

A disputa judicial entre moradores e prefeitura se estabeleceu a partir de 2012. Como base da ação, um parecer antropológico encomendado pelo MPF (Ministério Público Federal) avaliou as condições insalubres de moradia, ouviu moradores favoráveis e concluiu ser favorável à “remoção negociada” dos moradores.

Em junho deste ano, o juiz federal substituto da 13ª Vara, Aloysio Cavalcanti Lima, deu sentença determinando a desocupação da favela e a transferência dos moradores em um prazo de 90 dias.

Entretanto, um mês depois o desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Manoel Erhardt, acolheu recurso da Defensoria Pública da União e suspendeu a desocupação até o julgamento do mérito. O caso ainda não foi analisado, e os moradores se apoiam na liminar para seguirem na favela.

Sem poder retirar os moradores, a favela foi crescendo e voltou a inchar. Hoje, além das 19 famílias pescadoras, outras 100 invasoras moram irregularmente.

Distância e perigo são críticas

A comunidade pesqueira do Jaraguá possui cerca de 300 integrantes. Na área à beira-mar, vizinha ao Porto de Maceió, eles deixam seus barcos e vendem seus produtos direto ao público.

A presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Bairro do Jaraguá, Enaura Nascimento, rebate os argumentos da prefeitura e diz que o grupo resistente não aceita ir morar em um local distante 4 quilômetros  do trabalho.

“Somos uma comunidade de pescadores tradicional, com 60 anos de existência. Porque temos de sair daqui para dar lugar à elite? Os ricos já ocupam as melhores partes de Maceió. Temos direito de ficar aqui e vamos lutar até o fim”, afirmou.

O pescador Genivaldo Gonçalves, 42, é outro que optou por ficar na favela e prefere viver na estrutura precária da favela. “Nosso trabalho é agregado à moradia, não tem como separar. Muitas vezes saímos para as viagens ao mar 1h, 2h da manhã, e é perigoso fazer esse trajeto. Muitos dos que moram lá e vêm pra cá já foram assaltados”, alegou.

Diante da disputa, os moradores que querem ficar na favela prometem resistir. “Só saio se o Bope chegar aqui dando porrada, porque eu não quer ir para um local longe. Não tem sentido”, afirmou o pescador Márcio Roberto dos Santos, 33.

Secretário critica resistência

O secretário Mac Lira reclama da postura do grupo dissidente. Segundo ele, com a presença dos moradores, a favela cresceu novamente e causou novos problemas sociais.

“Em todo lugar do mundo as pessoas se deslocam para o trabalho, entre eles outras comunidades pesqueiras aqui de Maceió, como a da Ponta Verde. Não tem sentido abrir mão de um local com escola, transporte, saúde, lazer, perto do centro, e viver numa área insalubre. Nós queremos fazer uma obra para que eles continuem tirando o sustento de maneira mais correta, mais adequada”, disse.

Mac Lira lamentou a postura da líder comunitária que comanda os resistentes à mudança. Ele explicou que os 19 dissidentes já assinaram os contratos de posso no meio do ano, mas não foram pegar as chaves --o que impede que o município repasse os imóveis a outros interessados.
"Ela [Enaura] pode ser a responsável por atrapalhar os interesses próprios, porque existem 19 não querem sair, mas mais de 400 esperam por um projeto maior. Perde não só a comunidade, mas toda a cidade. O bairro de Jaraguá precisa voltar respirar”, finalizou Lira.

Em meio a disputa, os moradores que aceitaram se mudar para a Vila dos Pescadores elogiam as novas unidades. “A moradia lá é ótima, o ruim só é a correria de lá para cá. Mas a estrutura lá é bem melhor do que aqui”, relatou Sebastião Gonçalves, 62.