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Coronel da PM suspeito de incitar violência em protestos é exonerado no Rio

Mensagens atribuídas a Souza, trocadas com comandados, indicam também que ele tem admiração pela doutrina nazista. Outra suspeita é de que ele pode estar envolvido no ataque a tiros ao prédio de outro oficial, seu desafeto - Divulgação/Governo do Estado do Rio de Janeiro
Mensagens atribuídas a Souza, trocadas com comandados, indicam também que ele tem admiração pela doutrina nazista. Outra suspeita é de que ele pode estar envolvido no ataque a tiros ao prédio de outro oficial, seu desafeto Imagem: Divulgação/Governo do Estado do Rio de Janeiro

Vinícius Konchinski

Do UOL, no Rio

05/01/2015 12h30Atualizada em 05/01/2015 13h09

O secretário de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, anunciou na manhã desta segunda-feira (5) que o governo exonerou o coronel da Polícia Militar Fábio Almeida de Souza, ex-comandante do Batalhão de Choque e do Bope (Batalhão de Operações Especiais).

A decisão foi tomada após reportagem da revista "Veja" desta semana afirmar que o oficial incitou atos de violência policial contra manifestantes durante os protestos de 2013.

Beltrame afirmou ainda que a corregedoria da PM instaurou um procedimento disciplinar para apurar a veracidade das informações veiculadas pela revista. Desde que deixou o comando do Bope, em março do ano passado, Souza integrava a escolta pessoal de Beltrame.

O secretário se disse "horrorizado" com as revelações sobre a suposta conduta do coronel.

"Quando fiquei sabendo, me certifiquei das mensagens do inquérito e o exonerei nesta manhã [de hoje]. Fiquei horrorizado. Quando ele veio para a segurança da secretaria, não havia procedimento algum contra ele. Esse procedimento será aberto e o pedido é meu", afirmou Beltrame.

Em nota, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Alberto Pinheiro Neto, afirmou que o atual comandante do COE (Comando de Operações Especiais), coronel Rene Alonso, passará a acumular o cargo de comandante da Tropa de Choque após a exoneração de Souza.

Nazismo

Mensagens atribuídas a Souza, trocadas com comandados, indicam também que ele tem admiração pela doutrina nazista. Outra suspeita é de que ele pode estar envolvido no ataque a tiros ao prédio de outro oficial, seu desafeto.

As mensagens constam de investigação sigilosa a cargo da Corregedoria-Geral da PM. Em nota, a corporação confirma a abertura de IPM (Inquérito Policial Militar), mas não dá detalhes.

Souza foi promovido a coronel no final do ano passado "por merecimento", quando comandava a equipe de vigilância pessoal de Beltrame.

Em um grupo de WhatsApp (aplicativo de mensagens por celular), Souza, segundo a "Veja", escreveu que os black blocs, manifestantes considerados violentos e baderneiros, deveriam ser mortos: "7,62 (referência a um calibre de fuzil), mata eles tudo", disse.

"Porrada, paulada, tonfada (pancada com um instrumento chamado tonfa, semelhante a um cassetete), fuzilzada, mãozada", continuava uma mensagem.

Em outra mensagem, Souza diz: "Na última manifestação, dei de AM640 inferno azul (lançador de bomba de gás) nas costas de um black bobo, no máximo 30 metros!!! Que orgulho!!!".

Também divulgada pela revista, mensagem atribuída ao coronel menciona despacho de umbanda deixado na porta do gabinete do tenente-coronel Márcio Rocha, que substituiu Souza por um período no Batalhão de Choque. Os dois seriam inimigos.

"Faltou a galinha preta, as guias, as velas do Flamengo, a pipoca e aquela batata cheia de espeto", disse.

A portaria do prédio de Rocha foi atingida por tiros disparados por dois homens numa moto em janeiro de 2014, uma semana após o episódio do despacho.

Em outra postagem, Souza louva o "padrão Alemanha de 1930", em referência ao regime instituído pelo líder nazista Adolf Hitler, e diz: "Vai ter virada e vingança. 2014, a virada. 2015, a caça aos infieis insurgentes ladrilhos malditos indignos".

A PM emitiu notas sobre a investigação do ataque à casa de Rocha: "O Inquérito Policial Militar (IPM) está em andamento, na fase de cumprimento de exigências feitas pelo Ministério Público. (...) Todos os oficiais citados nos fatos já depuseram na qualidade de testemunhas".

Não há comentário sobre a troca de mensagens pelo WhatsApp.

Procurados pela reportagem, nem o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) nem o secretário de Segurança se manifestaram. As assessorias informaram que caberia à PM responder sobre os fatos.

O diretor da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque, considerou muito grave o teor das mensagens.

"Se confirmada a autenticidade dessa troca de mensagens, estamos diante de um fato de enorme gravidade: um oficial da 'elite' da polícia pregando abertamente o uso excessivo da força, o extermínio e a sedição, conspirando contra os próprios colegas policiais. É difícil entender como esse oficial e os demais identificados nessa investigação da Corregedoria ainda não estejam afastados do serviço; e, no caso do coronel Fábio, tenha sido inclusive, promovido", disse Roque.

Para o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous, "esses diálogos capitaneados pelo comandante da tropa acabam por ratificar o que já se sabe há muito tempo: a PM acaba por se constituir em fator importante da cultura da violência que impera na política pública de segurança. Incitar os soldados a praticar violência contra manifestantes ou seja contra quem for, e com exortações de natureza inequivocamente nazista, é inaceitável e incompatível com as funções policiais". (Com Estadão Conteúdo)