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No Piscinão de Ramos, orgulho e tranquilidade: "aqui não tem arrastão"

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

29/01/2015 06h00

Enquanto nas valorizadas praias da zona sul do Rio de Janeiro o assunto deste verão é o medo causado pela onda de assaltos cada vez mais frequentes, a pouco mais de 20 quilômetros dali, no coração da zona norte da cidade, a segurança está longe de ser uma preocupação para os milhares de frequentadores do Piscinão de Ramos.

A situação reforça o orgulho dos frequentadores do maior ícone do bairro da zona norte, que dizem não fazer questão de atravessar a cidade para competir por um lugar ao sol com outros cariocas e turistas de todo o mundo. Ainda mais em um momento em que a alta nos preços nas praias mais "nobres"  impressiona e assusta.

“Você vê aí Ipanema, Copacabana, com arrastão toda hora. Aqui não tem isso”, afirma o bombeiro guarda-vidas Valdinei Ferreira, 45, que trabalha no lago salgado do Parque Ambiental Carlos Roberto de Oliveira Dicró desde a sua inauguração, em dezembro de 2001.

"Já havia trabalhado em várias praias da cidade antes, mas aqui é diferente", diz. Valdinei conta que, nos dias mais quentes, como nos primeiros domingos deste ano, o Piscinão de Ramos chega a receber até 80 mil pessoas.

A comerciante Lizete Cavalcante da Silva, 69, tem uma barraca na praia de Ramos há 43 anos, quando o local ainda não tinha o piscinão, e destaca o bom comportamento do público como a principal vantagem da sua "segunda casa". "Vem muita gente da Baixada [Fluminense] e dos bairros vizinhos. É muito seguro. É uma tranquilidade fora de série. Aqui não tem arrastão. É um clima bem familiar. A minha vida é aqui", relata.

Enquanto milhares de banhistas se refrescam nas águas do piscinão ou se bronzeiam na areia, no entorno do lago o movimento também é intenso. A pista de corrida e a ciclovia do parque são disputadas por quem vai ao local para fazer exercícios. Duas quadras poliesportivas e uma de areia, um campo de futebol de grama sintética e uma academia ao ar livre completam a lista de atrativos esportivos do local.

As atividades no complexo são geridas pela ONG Ecos (Espaço, Cidadania e Oportunidades Sociais), contratada em agosto de 2012 pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer. A organização recebe R$ 4,9 milhões da prefeitura para gerir projetos esportivos por dois anos no parque. Cerca de mil alunos de escolas públicas são atendidos no espaço.

Morador do bairro de Ramos, o comerciante Raphael Santos Oliveira, 31, que trabalha na barraca da avó, Lizete, nos feriados e fins de semana, é categórico: "para quem é das comunidades da zona norte não tem opção de lazer melhor". A poucos metros da água, também existe um espaço para música ao vivo. "Geralmente são grupos locais, de pagode ou samba. Anima bastante".

"Fantástico"

Nascido no Rio de Janeiro e ex-morador do bairro de Ramos, o professor universitário Mário Sá, 51, se mudou para Dourados (MS) há 12 anos, pouco mais de um ano depois da inauguração do piscinão. Até o último dia 20, feriado do padroeiro da cidade, São Sebastião, quando visitava a família na capital fluminense, ele só conhecia o local pela televisão. 

"Eu estou achando fantástico. Isso aqui é a expressão máxima da democratização do espaço público. Sempre que ouvia falar no piscinão era em tom escrachado, depreciativo. A novela, por exemplo, tratava como uma coisa exótica, com aquela história de 'cada mergulho é um flash'", contou, acompanhado da pela irmã, que o convidou para conhecer o piscinão.

"Para você ver como isso é forte, eu acabei de mandar uma foto daqui para uma amiga do Mato Grosso do Sul e ela não acreditou que eu estava no Piscinão de Ramos, porque o cenário é bonito. Ela disse que imaginava outra coisa", relatou o professor.

Sá destacou ainda o clima familiar que percebeu no espaço e sua importância para os moradores da região. "Aqui é muito tranquilo. As pessoas não se preocupam em deixar o celular em cima da mesa. Todos ficam mais à vontade. As pessoas da zona norte quando vão para a zona sul são desqualificadas, chamadas de farofeiras", afirmou.

Robson dos Santos, 28, foi transferido de Campinas (SP), onde nasceu, para o Rio há dois anos para trabalhar como encarregado de expedição. Levou a mulher e os três filhos de São Paulo um ano depois. Ramos foi o bairro escolhido para se fixar com a família na capital fluminense. A adaptação foi quase instantânea. “Eu vim morar no melhor bairro do Rio de Janeiro”, declarou.

A identificação com o piscinão foi tanta que ele resolveu abrir, no começo do mês, uma barraca para vender bebidas e alugar cadeiras e guarda-sóis, que é gerida pela mulher e abre de quinta-feira a domingo e nos feriados. "Faz dois anos que eu frequento e nunca vi um assalto. Fico bem tranquilo de deixar minha esposa trabalhando aqui", comenta Robson.

"Para se reunir com os amigos, eu acho isso aqui é bem melhor que Copacabana, Ipanema, Leblon. Lá é gostoso, bonito, mas é muito caro. E tem que pegar duas conduções. Fica pesado para levar a família toda, além de tudo ser muito caro. Aqui você pode fazer o seu próprio churrasco na areia, por exemplo, e ninguém vai falar nada", conta o paulista.

Quando foi morar em Ramos, Robson ouviu um vizinho comentar que não ia para a praia há seis anos. "Eu fiquei indignado, ‘como é que mora no Rio e não aproveita as praias?’. Depois de frequentar o piscinão, eu entendi por quê", declarou.

Para o bombeiro Valdinei Ferreira, trabalhar no piscinão é, acima de tudo, "uma honra". "É um lugar democrático, vêm pessoas de todos os lugares, de vários morros, se divertir aqui". Ele conta que o local, além de área de lazer, é também um espaço de reencontros. "Há algum tempo, vi dois irmãos que eram do Nordeste e não se viam há dez anos se reencontrarem por acaso. Foi um chororô bonito de ver".