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Feira faz rolo com viagra, jabuti, carro e até réplica de arma

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em São Paulo

02/04/2015 06h20

“Olha o viagra, olha o veneno de rato”, grita um ambulante. Um Renault Clio estacionado ao lado ostenta a seguinte frase escrita a giz em seu para-brisa: “R$ 5.500, tudo OK, sem dívida, licença 2015”. Um vendedor bem-humorado brinca com a fama do lugar: “Aqui é o Shopping Tranqueira: na compra de uma porcaria, você leva outra”.

Pegue a maior feira livre de São Paulo e some dezenas de camelôs vendendo quinquilharias, como na rua 25 de Março. Acrescente outros itens de origem incerta (pode ser contrabando, pirataria ou interceptação de produtos roubados). Reúna um mercado de produtos de segunda e terceira mãos. Para completar, junte a isso um “pet shop alternativo” expondo jabutis, iguanas, coelhos e pássaros silvestres.

Pronto: você está na feira da Vila Mara, na zona leste paulistana, a 33 km do centro de São Paulo. Mas pode chamar de “feira do rolo”, como ela é mais conhecida.
 
A polícia costuma fazer ronda por lá, mais ainda quando é publicada uma reportagem como essa aqui. Os PMs recolhem principalmente produtos piratas. “Se é teu, leva embora. Se não, eu tomo”, gritava um policial para um garoto com camisetas Hollister nos ombros. Minutos antes, quem anunciava era o menino: “É de grife. É primeira linha. É 15 conto”. No jargão do comércio popular, “primeira linha” é o código para o produto pirata bem acabado.
 
Quando se aproxima o rapa, começa a liquidação para se livrar da mercadoria. Depois o jeito é puxar o pano onde estão pousados produtos, fazer uma bolsa improvisada, correr e se misturar no meio das barracas de feira livre.
 
A polícia ambiental também não dá respiro aos passarinheiros de lá. Em uma rua lateral se via várias gaiolas feitas com espetinhos de churrasco. Estavam jogadas e vazias. Os traficantes de jabutis escondem os filhotes nos bolsos das calças. Já os coelhinhos ficam alojados em uma tupperware gigante. E uma dezena de iguanas está empacotada em caixa de papelão.  
 
O movimento é maior logo depois do dia 10 de cada mês, afinal, a freguesia é de assalariados. Já a maioria dos vendedores é formada por gente que vive de bico, “dá seus corres”, prontos para vários expedientes para sobreviver.
 
Tem carregador que traz para vender uma caixa do produto que ajudou a descarregar e foi pago pelo serviço com ela. Quando algum caminhão capota na região, não demora para a carga ser comercializada por ali. Produtos prestes a vencer ou já vencidos são frequentes por lá. A reportagem do UOL viu uma barraca só com pão de forma e outra com leite em pó nessas condições. 
 
Um comerciante passa oferecendo um cortador de grama por R$ 50, e 20 minutos depois, ele desfila com um filtro de água pelo mesmo preço. Os dois produtos encalham, e ele tenta a sorte com um teclado Yamaha. Um garoto oferece um violino sem cordas e empoeirado por R$ 60: “Meu amigo reformou a casa e achou. Vim ver se faço um caixa com isso”.
 
Sentado sobre uma pilha de pneus como se fosse um banco, um rapaz oferece quatro rodas de carro por R$ 1.000, um preço bem abaixo de qualquer tabela de autopeças. Em uma banca vizinha estão expostas várias réplicas de armas, vendidas como brinquedo, mas que passam fácil por verdadeiras. A venda desses itens é proibida.
 
A feira do rolo serve também como arqueologia tecnológica: TVs de tubo, telefones analógicos, secretárias eletrônicas, controles remotos antigos, cartuchos de game, celulares quebrados e sem carregadores. A casta mais baixa de nossa sociedade de consumo encontra ali as mercadorias em estado de reúso.
 
Um catálogo completo de migrantes busca sobrevivência por lá. São senegaleses, bolivianos, haitianos e paraguaios, tão contrabandeados no Brasil quanto os smartphones que vendem.
 
A presença nordestina também é forte com barracas que vendem desde feijão de corda até miúdos de bode e botecos oferecendo sarapatel. Pobres de todo o Brasil se encontram nessa feira do rolo. E esse tipo de mercado de pulgas existe em outras periferias de São Paulo e do Brasil – as feiras do rolo de Salvador e de Brasília são bem conhecidas.
 
Quem vai lá é quem precisa descolar um troco ou se livrar de algo. Então, o que um jornalista de classe média está fazendo na feira do rolo? Fora esvaziar o quarto de despejo, ele está fazendo jornalismo gonzo.
 
Fui até confundido com um ladrão. Como não conseguia vender uma bicicleta enferrujada, baixei o preço de R$ 50 para R$ 15, o que despertou a desconfiança do comprador: “Por que você vende barato? Não é roubado não, né?”.
 
Mas, se a crise apertar mesmo como preveem os xamãs da economia, a classe média vai acabar migrando para esse tipo de  feira para vender as miudezas que colecionou nos tempos de bonança. Então, anote o endereço, afinal, talvez você vai precisar: rua São Gonçalo do Rio das Pedras, perto da estação Jardim Helena-Vila Mara da linha 12 Safira da CPTM. E lembre-se do horário: é domingo de manhã.