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Desde os anos 1980, o Banco Mundial atua no Ceará

O ex-governador do Ceará Tasso Jereissati - Fernando Vivas/Folhapress
O ex-governador do Ceará Tasso Jereissati Imagem: Fernando Vivas/Folhapress

Ciro Barros e Giulia Afiune

Da Agência Pública

17/04/2015 06h00

Além de emprestar recursos para o governo federal, o Banco Mundial firma contratos diretamente com Estados e municípios. No Ceará, o banco já financiou projetos de agricultura familiar, administração pública, transporte e educação. O início da inserção do banco na área de recursos hídricos no Ceará coincidiu com o primeiro dos três mandatos do ex-governador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que assumiu o cargo em 1987 com o lema “Governo de Mudanças”.

Algumas condições favoreceram a aproximação entre o Estado e o banco no setor de recursos hídricos, como a capacidade financeira e o fato de o Ceará ter desenvolvido um Plano Estadual dos Recursos Hídricos antes mesmo do Plano Nacional. Essa é a opinião da coordenadora do Laboratório de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará, a professora Francisca Silvania de Sousa Monte, cuja tese de doutorado é sobre o uso das águas no processo de modernização do Estado. “Tais atributos ensejaram o surgimento de uma política original de gestão dos recursos hídricos, cujos princípios estavam de acordo com o consenso internacional sobre a questão, compartilhado e preconizado pelo Banco Mundial”, detalha Monte.

“O ‘governo das mudanças’ utilizou a seca para justificar a implantação de ambiciosos programas hídricos, pensados principalmente como instrumento não só para atrair indústrias, mas fundamentalmente para dar suporte para as indústrias que iriam promover o desenvolvimento e a modernização do Estado”, opina a professora.

A geógrafa Cíntia dos Santos Lins, que estudou os impactos socioespaciais do modelo cearense de gestão dos recursos hídricos em seu mestrado pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), concorda: “O discurso da seca sempre foi utilizado para mostrar que o Estado não se desenvolvia porque não tinha água. Então seriam necessárias essas obras para que o Estado pudesse se desenvolver, para que ele pudesse crescer economicamente e atrair mais investimentos”, explica Lins.

Esses “ambiciosos programas hídricos” foram o Prourb (Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos Hídricos) e o PROGERIRH (Projeto de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos do Estado do Ceará). Ambos previam a construção de reservatórios e adutoras para armazenar e transportar água e, ao mesmo tempo, o fortalecimento das instituições responsáveis pela gestão dessas infraestruturas hídricas, como explicou Francisco Assis de Souza Filho, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) que foi responsável pelo gerenciamento técnico do Prourb, do PROGERIRH e do Proágua, enquanto era funcionário da COGERH (Companhia de Gestão de Recursos Hídricos).

O Prourb focou a construção de açudes de médio porte e a implantação de adutoras de água tratada para abastecer sedes municipais. Criado em 1993, aprovado em 1994 e implementado a partir de 1995, o programa promoveu a construção de 13 açudes e 23 adutoras no Estado, financiada em parte graças a um empréstimo de US$ 140 milhões concedido pelo Banco Mundial ao Estado do Ceará.

Já o PROGERIRH teve como objetivo construir eixos de integração que interligassem bacias hidrográficas, possibilitando a transferência de água de áreas úmidas para áreas de escassez hídrica dentro do Estado.

“Além da construção de reservatórios mais regionais e adutoras, o PROGERIRH teve como foco também a transposição entre bacias. O canal que hoje abastece a cidade de Fortaleza, o Eixo da Integração, que traz água do Jaguaribe para o sistema metropolitano, foi construído dentro do escopo do PROGERIRH”, exemplifica Assis.

Como a água transportada pelo famoso Eixão das Águas se destina à população urbana da capital, ao agronegócio e às indústrias, as famílias que vivem ao longo do canal também ficaram sem água, como a Pública relatou em julho de 2013, na reportagem “Tem água para ver, mas não para beber”, feita pelo Coletivo Nigéria, na segunda edição das Microbolsas.

Criado em 1997 e aprovado em 2000, o PROGERIRH, em sua primeira etapa, custou US$ 247,27 milhões, US$ 136 milhões do Banco Mundial e US$ 111,27 milhões do governo do Ceará, como contrapartida, parte dela (R$ 126 milhões) financiada pelo BNDES. Com esses recursos, foram construídos seis açudes e três eixos de integração.

Em 2008, o Banco Mundial aprovou um financiamento adicional ao PROGERIRH no valor de US$ 103 milhões, que permitiu a construção de mais cinco açudes e cinco adutoras. Dois outros açudes cearenses foram financiados pelo Banco Mundial fora desses programas: o Açude Sucesso (construído em 1988 como parte do programa Açudes Regionais) e o Açude Arneiroz 2 (construído em 2005 como parte do programa nacional Proágua).

Desde 1988, o Banco Mundial financiou a construção de 26 açudes no Ceará – 10,6% dos 245  construídos no Estado desde o início do século 20. Segundo dados dos planos de reassentamento das obras, fornecidos pela SRH (Secretaria de Recursos Humanos), as construções financiadas pelo banco atingiram pelo menos 4.625 famílias. Desse total, 2.266 famílias viviam no local e perderam todas as suas terras ou parte delas.