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Para fugir da violência no Rio, cariocas "se armam" e andam em grupos

Placa alerta para número de assaltos em ruas do Rio, em especial nos fins de semana - Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
Placa alerta para número de assaltos em ruas do Rio, em especial nos fins de semana Imagem: Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

20/06/2015 06h00

Os relatos de roubos, furtos e assaltos fazem parte do cotidiano da população do Rio de Janeiro há muito tempo. A cidade já viveu inúmeras ondas de violência, simbolizadas por casos de grande repercussão, como o do médico cardiologista Jaime Gold, 56, morto por ladrões a golpes de faca quando pedalava pela ciclovia da Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul, no dia 19 de maio.

O uso de objetos cortantes em ações criminosas criou um clima de pânico nas ruas do Rio. Na maioria das abordagens, o alvo é o aparelho celular da vítima. Dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) mostram que, em um ano, o roubo de telefone móvel cresceu 62,3%. Assustados com esse cenário e descrentes em relação à atuação do poder público, trabalhadores, comerciantes, estudantes e outros cidadãos comuns têm buscado meios de autodefesa.

Há relatos de pessoas que compraram equipamentos não letais --como spray de gengibre (que tem efeito mais fraco em comparação com o de pimenta) e aparelhos de choque. Também há indivíduos que, principalmente à noite, só andam em grupos no trajeto entre o trabalho ou instituição de ensino (colégios, universidades etc.) e o ponto de ônibus, estação de metrô e outros locais de acesso ao transporte público.

Nas redes sociais, internautas estão criando grupos para troca de informações e denúncias sobre assaltos. No dia 10 de junho, reportagem do UOL mostrou que a Polícia Militar vem utilizando mensagens publicadas no Facebook para traçar novas estratégias de policiamento. Já no centro da cidade, por exemplo, é possível almoçar e ser escoltado por um segurança do restaurante no caminho de volta ao local de origem.

Dispositivos não letais

Ao UOL, um homem afirmou ter comprado por meio da internet um aparelho de choque --produto que não possui regulamentação no país e é vendido livremente em sites e lojas de armas, artigos de caça, entre outros estabelecimentos.

O homem preferiu não se identificar (por questões de segurança) e disse contar com o objeto como forma de autodefesa: "Não sei se eu usaria em qualquer situação. Comprei por precaução."

A reportagem ouviu ainda relatos de duas mulheres que compraram spray de gengibre, também pela internet. Os produtos são comercializados legalmente.

Christian Moroni, diretor comercial da ANL Brasil, fábrica de armas não letais sediada em Vinhedo (SP), afirma que as vendas para clientes da cidade do Rio de Janeiro vêm crescendo nos últimos meses. "O Rio é um mercado excelente e não tenho dúvida de que os assaltos com facas estão relacionados com o aumento das vendas."

Na opinião do especialista Fábio André do Nascimento, que atua como instrutor de armas não letais e ministra cursos para órgãos públicos, empresas e pessoas físicas, o mercado está em crescimento.

"Muitas pessoas me ligam para tirar dúvidas sobre o que podem comprar. Eu sempre digo que o spray natural, como o de gengibre, é vendido legalmente. Já o spray de pimenta, não [é considerado de uso restrito de forças de segurança]. Após essa série de assaltos e a morte do ciclista na Lagoa, o interesse por defesa pessoal aumentou muito. Eu costumava receber cinco ou seis ligações por semana. Hoje eu recebo aproximadamente 60 ligações", declarou.

"Quanto mais, melhor"

Andar em grupo virou "questão de sobrevivência" no centro do Rio de Janeiro. É o que pensa a estatística Monique Maia, que trabalha na avenida Rio Branco, uma das principais vias da região.

"Quando 19h se aproxima, todos começam a perguntar. Quem está saindo? Quem vai para o metrô? Quem vai pegar ônibus? Eu mesma só saio em grupo. São sempre três ou quatro pessoas que saem juntas. É questão de sobrevivência", afirmou ela.

Já a publicitária Arícia Sousa, que tem aulas no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) aos sábados, diz que todos os alunos da turma costumam sair juntos para almoçar.

"No fim de semana, as ruas do centro ficam desertas. Quem estuda no sábado passa por essa dificuldade. A melhor forma de não correr riscos é se deslocar em grupo. Isso inibe os ladrões", comentou. "Na hora do almoço, toda a turma desce junta para comer no mesmo lugar. Quanto mais alunos, melhor."

Reações das autoridades

De acordo com a PM, houve reforço no patrulhamento em algumas regiões (inclusive com policiais a cavalo e em bicicletas), como Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul, e o centro da cidade.

Durante a semana, o secretário de Estado de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, informou que criará bases de policiamento financiados pela iniciativa privada.

Já na esfera parlamentar, os deputados da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) aprovaram projeto de lei que criminaliza o porte de armas brancas no Estado.

A reportagem do UOL entrou em contato com a assessoria da Polícia Militar, na última quarta-feira (17), na tentativa de conversar com o representante do Estado-maior operacional da corporação, porém não recebeu qualquer resposta até o fechamento desta matéria.

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