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UPP no Alemão fracassou porque Estado promove lógica da guerra, diz coronel

Crianças brincam perto de policiais em rua no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio - Fábio Teixeira - 9.abr.2015/UOL
Crianças brincam perto de policiais em rua no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio Imagem: Fábio Teixeira - 9.abr.2015/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

29/07/2015 17h38

Na contramão das típicas declarações oficiais de agentes públicos do Estado do Rio de Janeiro, o coronel da Polícia Militar Ibis Silva Pereira, que já foi comandante-geral da corporação, afirmou nesta quarta-feira (29) que as forças de segurança estadual e federal cometeram erros graves na tomada das favelas do Complexo do Alemão, zona norte da capital fluminense, em 2010.

Segundo ele, o processo de ocupação das comunidades --fase que antecede a implantação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora)-- ocorreu sob o que chamou de "lógica da guerra", legitimada pela "falta de sensibilidade democrática da sociedade" e reforçada com a espetacularização feita pelos meios de comunicação. A declaração foi dada durante o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"Admitimos que, em plena vigência de uma Constituição democrática, fosse feita uma operação de guerra com anfíbios [tanques do Exército], blindados e tudo mais dentro de uma parte do nosso próprio país. (...) Como se concebe uma coisa dessa? É por isso que está dando errado, porque começou errado. Começou como uma guerra e não poderia dar certo em hipótese alguma", afirmou.

Pereira declarou ainda que os problemas mais centrais da segurança pública, principalmente o alto número de homicídios dolosos, tem raízes históricas. "A questão está na própria gênese do Estado. O Brasil nunca teve o monopólio da violência. A aplicação do direito penal sempre foi dividida com o direito de propriedade. Já na época do descobrimento, Portugal determinou que as leis penais fossem aplicadas aqui como se bem entendesse, desde que não envolvessem os fidalgos".

Após séculos de mudanças nas configurações do Estado e transformações político-administrativas, o resultado dessa "tragédia social", na visão do policial militar, pode ser observada com os recortes das estatísticas e índices de criminalidade. "Temos o negro matando o negro, o pobre matando o pobre e o excluído matando o excluído", afirmou.

"Quem é o coveiro?"

Ibis disse ainda que, em toda a sua carreira militar, mesmo quando exerceu cargos de comando em batalhões da PM, nunca foi "inspecionado" por órgãos de controle da atividade policial (internos e externos). Para o coronel, a falta de transparência contribui com a lógica de guerra promovida pelo Estado, o que resulta em cada vez mais mortes.

"São quase 60 mil brasileiros que perdem a vida em homicídios dolosos. São crimes motivados pela vontade de destruir e matar. Nós precisamos entender e cuidar disso", declarou. "Quem é o coveiro? Se a polícia mata e morre, se o traficante mata e morre, quem enterra? Será que é a polícia que enterra? Existe um grande coveiro no Brasil."

"Porta do tráfico está sempre aberta"

O ativista Raull Santiago, que faz parte do coletivo Papo Reto e é morador do Complexo do Alemão, afirmou que, nas favelas da região, mesmo com a presença da Polícia Militar com as UPPs, os jovens continuam sendo vítimas de várias formas de violência, tanto do tráfico quanto do Estado. Segundo ele, há uma "bola de ódio", que é alimentada todos os dias com casos de abusos policiais, mortes de inocentes, entre outros fatos.

Santiago declarou também que o ciclo de racismo e a falta de perspectiva dos jovens que moram nas favelas fazem com que o tráfico de drogas seja uma opção para alguns, principalmente os que carecem de estrutura familiar. "Todo jovem que mora em favela sabe que o tráfico é uma porta que está sempre aberta", disse.