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RS: Protetor que salvou mais de cem cães de enchente quer "donos" para eles

Lucas Azevedo

Do UOL, em Porto Alegre

30/07/2015 20h11

O drama de José Damião dos Santos, 47 anos, que abrigou em um ônibus velho cerca de cem cães durante a enchente em Alvorada (22 km de Porto Alegre), na região metropolitana, na semana passada, vem repercutindo da melhor maneira possível.

Os sacos de ração que continuam chegando garantem a alimentação dos animais por alguns meses, uma campanha de castração foi iniciada e cerca de 30 deles já foram doados. O novo objetivo de Santos e dos voluntários que o auxiliam é que mais bichos arrumem um lar permanente.

No último dia 20, o condutor de carrinhos de frutas na Ceasa foi obrigado a abandonar a casa em que mora com a água pelo peito depois de salvar a mulher e os três filhos. Os cerca de dez dias de chuva intensa geraram grandes transtornos na Grande Porto Alegre, forçando a retirada de milhares de famílias de seus lares.  

Além da família, Santos dividia a casa com 140 cães recolhidos das ruas. Inconformado com o possível trágico fim dos animais depois que o pátio inteiro estava sob mais de 1,5 metro d'água, ele voltou ao local e resgatou, um a um, cerca de cem deles. Alguns se perderam. Outros não sobreviveram, levados pelas águas ou atropelados.

"O pessoal quase enlouqueceu quando me viu voltando pra casa", contou Santos ao UOL, em seu velho ônibus em meio às dezenas de cães. "Me deu um desespero, entrei em pânico. Fui pegando um a um numa caixa."

Mais de uma semana depois de se salvar, e com o auxílio de voluntários, que o acompanham desde o dia do resgate, Santos vê sacos de ração para os bichos chegarem a cada hora no terreno da associação de bairro onde está estacionado, na Vila Formosa, bairro vizinho ao seu, o Americana.

Além de comida, os cães estão sendo tratados por veterinários e parte já está na fila para a castração. Além disso, cerca de 30 cachorros já foram adotados. Mas muitos ainda estão chegando para os cuidados de Santos. 

"Muitos animais que ficaram para trás na enchente estão sendo trazidos para cá. Alguns eram do José [Santos], outros foram resgatados e acabaram vindo aqui para o ônibus. Estamos com cerca de 110 animais", conta a voluntária Olyane Soares.

A campanha de adoção continua. Na tarde desta quinta-feira, 40 cães estavam aguardando para serem castrados em uma clínica da cidade. Depois de recuperados, já estarão aptos para a fila de adoção.

Desafio é encontrar novos lares para os bichos resgatados

"Parece que o Vitório nasceu aqui. Ele está ótimo, levando um vidão", conta Maria Angélica Bahia Pires, 46 anos, da cidade vizinha de Viamão. Sensibilizada pelas fotos dos cães na internet, ela e o marido, que possuem um hotel para cães, resolveram fazer uma visita a Santos. "Meu marido perguntou: 'Tu viu a foto do cachorro velho? Vamos lá buscar?'. Todo mundo quer o cão bonito, saudável e jovem. Mas essa foi a vez do Vitório."

Vitório é um cachorro de médio porte, vira-latas, velho e com dificuldades de locomoção. Estava há anos com Santos até ser adotado por Maria Angélica. "Quando fomos buscá-lo, achávamos que ele era paraplégico. Mas para a nossa alegria estamos vendo que ele caminha um pouquinho. Ele está recebendo medicação par artrose, dorme em quarto climatizado, passa o dia solto e feliz. Só come, bebe e dorme", conta.

Assim como Angélica, outras cerca de 30 pessoas já levaram um amigo resgatado por Santos para casa. Mas ainda há dezenas à espera de um lar. A doação, ressaltam os voluntário, é responsável. O adotante precisa deixar todos os seus dados de identificação e contatos com o grupo, para que o bem-estar do animal na nova casa seja acompanhado. 

Pouco tempo antes das chuvas de setembro

De volta a Alvorada, a reunião repentina de cem cachorros em um terreno no bairro residencial de Vila Formosa não tem agradado alguns vizinhos.

"Eles querem o local. Tem um posto de saúde e uma creche da prefeitura na nossa volta. Mas a minha rua ainda está alagada. Ainda não temos como voltar pra casa. Além disso, nosso terreno lá é invadido. A prefeitura de Alvorada já me botou na Justiça por causa disse", lamenta Santos.

"O poder público não tem se apresentado de forma alguma. Seremos obrigados a voltar para esse problema, o terreno cheio de lama e que não pertence a ele. O meu receio é que o mês de setembro é bem chuvoso. Tem vizinhos do Santos que nem estão retornando para as casas sabendo que a água vai subir. Não tem como levar esses animais que estão sendo castrados para lá", avalia o voluntário Nelson Duarte Fernandes. 

O objetivo, agora, é encontrar um local permanente para colocar os cães a salvo. "A minha família está em uma casa alugada perto da nossa, enquanto a água na rua não baixa. Agora estamos em uma campanha para comprar um terreno para colocar os bichinhos. Esse povo tá sendo muito solidário", comemora.

Apesar dos contratempos, ele é grato pelo apoio que está recebendo, desde o resgate dos animais, até o grande volume de doações de ração e remédios para os cães, e de roupas e eletrodomésticos para ele e sua família. "Eu ganhei três televisões e duas geladeiras. Posso passar adiante. Apesar de toda tragédia, a gente ainda pensa nos outros."

Mesmo com pouco, Santos se sente satisfeito e agradecido. Para o próximo domingo, voluntários estão organizando um evento no bairro Americana para a doação de cães já castrados, além da distribuição de ração - arrecadada por José -, roupas e eletrodomésticos que ele ganhou a mais. 

Interessados em auxiliar Santos e os voluntários na castração dos animais, na aquisição de um terreno para abrigar os bichos e em adoções podem procurar no Facebook uma fan page criada especificamente para divulgar o trabalho que está sendo feito com os cães. O nome é "Olha para Mim".