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Se fosse tudo bonitinho, não se fariam nem 60 km de ciclovia, diz ex-CET

Em São Mateus, na zona leste paulistana, ciclovia fica no meio da avenida Bento Guelfi - Rivaldo Gomes/Folhapress
Em São Mateus, na zona leste paulistana, ciclovia fica no meio da avenida Bento Guelfi Imagem: Rivaldo Gomes/Folhapress

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

03/08/2015 06h00

Autora do boletim técnico da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) que reuniu os estudos sobre ciclovias na capital paulista, a arquiteta Maria Ermelina Malatesta defende a proposta da Prefeitura de São Paulo de fazer 400 quilômetros novos de ciclovias em 19 meses. “O importante é demarcar o terreno, mostrar para o carro que esse espaço 'não é mais para você utilizar'. Se não fizer, fica só no plano, como no meu boletim técnico”, comenta a doutora em transporte cicloviário pela FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo).

A cinco meses do fim do prazo para a implantação dos 400 quilômetros de ciclovias, a CET conseguiu cumprir 63,8% da meta, cerca de 255 quilômetros.

Em 2012, Malatesta --que atuou por 35 anos na CET-- reuniu, no Boletim Técnico 50, os estudos feitos do início da década de 1980 até então sobre a viabilidade de ciclovias na capital paulista.

No texto, ela fez considerações sobre a relação de São Paulo com os ciclistas. “A princípio, a cidade não se mostra propícia ao uso da bicicleta, tanto como transporte como para lazer”, escreveu a arquiteta. Como razões para essa análise, ela citou “topografia acidentada, clima instável, sistema viário congestionado e tráfego agressivo” da cidade.

Três anos depois e com o plano que intensifica a implantação de ciclovias na capital paulista em execução, Malatesta tem uma nova opinião. “É claro que a cidade antes não era favorável, mas agora é totalmente amiga da mobilidade cicloviária”.

Remédio

Apoiadora das ciclovias, a arquiteta vê nelas a oportunidade de se retomar o espaço público, que estaria “doente” hoje em dia. “Esse foi o sonho da minha vida: criar uma cidade mais humana”, comenta a arquiteta, que ressalta: “As ciclovias são também um programa de saúde pública porque você incentiva o exercício físico, diminui a poluição. E, também, para fazer a pessoa sair do automóvel”.

Para Malatesta, as ciclovias não estavam saindo do papel porque “tudo precisava de uma vontade política”. “Agora foi o momento para isso. Ela está acompanhando uma demanda que já existe”, pontua.

“É muito melhor se tem uma estrutura cicloviária. [Porque] a partir do momento em que há uma infraestrutura, isso [a percepção sobre as ciclovias] muda. A população, aos poucos, vai se apropriando do espaço”, diz a arquiteta.

Malatesta lembra que, até os primeiros estudos, no início da década de 1980, “não se pensava a bicicleta como transporte”. “Nesse primeiro plano, de 1981, a gente ligava o carro e rodava a cidade todinha [para estudar a viabilidade de ciclovias]. [Na época,] A gente não tinha uma referência sobre a circulação de ciclistas, não tinha registro das viagens que eles faziam.”

Problemas

A respeito de críticas sobre os problemas nas ciclovias --como buracos, ondulações, desníveis e a utilização da sarjeta de ruas como pista, por exemplo--, Malatesta defende a administração municipal. “Se fosse fazer tudo bonitinho, acho que não daria para fazer nem 60 quilômetros.”

A arquiteta ainda pondera: “Seria mais fácil se a ciclovia tivesse nascido quando a rua foi feita; reforma é sempre algo mais complicado”.