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Do pesadelo à calma em uma semana: Rio já sabe como evitar os arrastões?

Veículos do Batalhão de Choque da Polícia Militar patrulharam a praia do Arpoador, no domingo (27), no início da Operação Verão - Roberto Moreira/Agência O Globo
Veículos do Batalhão de Choque da Polícia Militar patrulharam a praia do Arpoador, no domingo (27), no início da Operação Verão Imagem: Roberto Moreira/Agência O Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

28/09/2015 16h47

Em uma semana, o pânico nas praias do Rio, com arrastões, roubos e furtos testemunhados de Botafogo a Ipanema, na zona sul, no sábado (19) e no domingo (20), deu lugar à tranquilidade. A Operação Verão, antecipada para este fim de semana por conta da violência, mobilizou mais de 1.000 policiais militares, assistentes sociais e funcionários da prefeitura. Ônibus foram abordados pela PM e 38 crianças e adolescentes terminaram o domingo (27) em abrigos municipais. Dessa vez, nenhum tumulto foi registrado nas praias.

Além do policiamento ostensivo, dois outros fatores contribuíram: o tempo nublado fez com que menos pessoas fossem às praias, assim como o medo de que o pesadelo do domingo retrasado (20) se repetisse. O porta-voz da Polícia Militar, capitão Maicon Pereira, afirmou que a Operação Verão "minimizou bem os problemas". "Fizemos tudo da maneira como deve ser feito, respeitando a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente. É um modelo a ser repetido."

Em balanço divulgado nesta segunda-feira (28), a Polícia Militar informou ter abordado 540 veículos neste fim de semana (ônibus e carros), dos quais 31 foram autuados por alguma infração e 17 foram apreendidos. Além disso, três celulares roubados foram recuperados por PMs. Das 38 crianças e adolescentes acolhidos por assistentes sociais, até o fim da noite de ontem, 26 não haviam sido procuradas pelos pais ou responsáveis. Outros nove jovens foram liberados porque não se enquadravam nos perfis de assistência social e três fugiram, de acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.

"A polícia tem que dar uma resposta, e está dando. A gente espera manter esse policiamento durante todo o verão, garantir que as pessoas venham e usufruam desse espaço", afirmou o secretário de Estado de Segurança Pública, José Mariano Beltrame ontem (27).

Eficácia "relativa"

Para especialistas ouvidos pelo UOL, não basta apenas reforçar o efetivo policial ou mesmo montar uma "operação de guerra", como definiu o chefe de gabinete do comando da PM, coronel Íbis Pereira, na quinta-feira (24). "A resposta do Estado foi bem-sucedida, mas eu relativizaria essa eficácia. Houve uma demanda localizada e restrita a uma região da cidade. Foi uma resposta pontual, e não estrutural, como deveria ser. Você não tem um contingente policial para vigiar todos os lugares 24 horas por dia", afirmou a educadora e diretora da Redes da Maré, Eliana Silva.

"O Estado dá sempre a mesma solução para esse problema do arrastão, que não é uma novidade no Rio. Coloca mais policial na rua, revista nos ônibus, tenta desestimular a ida de pessoas pobres à praia, estabelece a repressão na areia. Essa segregação reforça a metáfora do Rio como cidade partida. A sociedade reforça essas diferenças e legitima ações que visam à segregação. Por isso, não basta encher as praias de policiais", afirmou a socióloga Lia de Mattos Rocha, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Política do medo

Para Eliana, embora a integração entre as secretarias de Segurança (Estado) e de Desenvolvimento Social (município) seja uma "novidade positiva", o poder público do Rio peca em não adotar uma "política pública que estimule o envolvimento das pessoas". "O processo pedagógico de enfrentamento afasta. As pessoas deixam de acessar a cidade e circular livremente porque se sentem acuadas. Isso está acontecendo nesse episódio dos arrastões. Como é na zona sul [região mais rica], o medo é disseminado na medida em que a repercussão é assustadora. Será que todo esse aparato policial se justificaria e seria tão imediata se os mesmos arrastões ocorressem em outras áreas da cidade? Será que eles já não ocorrem nas outras áreas da cidade?", questionou a educadora.

Já a socióloga e pesquisadora da Uerj afirmou que o Rio tem "larga experiência em situações que envolvem multidões". "O arrastão é problema para quem? (...) No Réveillon, por exemplo, sempre há correria em pontos da areia de Copacabana. Mas ninguém fala em arrastão, crise da segurança pública ou cidade partida. Essa política do medo tem um aspecto muito perigoso, principalmente nesse momento em que se fala de redução da maioridade penal. Se não dá para respeitar a lei sem afetar a segurança pública, cria-se um precedente muito perigoso."

Problema de polícia

O secretário municipal de Desenvolvimento Social, Adilson Pires, afirmou que os moldes da Operação Verão estabelecem um "modelo de atuação". "O mesmo trabalho vai permanecer até o término do verão. Estaremos na rua todos os fins de semana", disse. Na opinião dele, o arrastão está "menos associado ao problema social" e mais à esfera da segurança pública.

"Está provado que, toda vez que há um grande evento na cidade, e a praia no fim de semana, durante o verão, é também um grande evento da cidade, ter o policiamento ostensivo nesses locais é fundamental", declarou. Pires afirmou ainda que o policiamento ostensivo "passa a sensação de segurança" para a população e "inibe a atuação do delinquente".

Segundo ele, a situação de cada menor acolhido neste fim de semana será analisada individualmente. Até a próxima quarta-feira (30), funcionários da prefeitura visitarão as famílias para traçar um perfil social desses jovens. "Nem todos têm uma família estruturada, com pai e mãe, às vezes um é criado pela tia, outro pela avó. Vamos produzir esse relatório social para orientar a formulação de uma política pública", disse.

Ajustes na Operação Verão

O porta-voz da PM, capitão Maicon Pereira, disse ainda que a Operação Verão passará por alguns "pequenos ajustes" para os próximos fins de semana. Segundo ele, o policiamento ostensivo é a melhor forma de enfrentar os arrastões. "O efetivo deve ser mantido. A operação foi, sim, um sucesso. Mas como todo planejamento, ela deve sofrer algumas alterações, ajustes que são necessários. São pequenos detalhes, nada que mude a estrutura", explicou ele.

No domingo, o secretário José Mariano Beltrame elogiou o trabalho dos profissionais envolvidos na ação, mas pediu precaução: "Está funcionando bem, mas temos que ter cautela: temos um verão inteiro pela frente."