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Pais de vítimas da Kiss recusam acordo para encerrar processo por calúnia

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

07/10/2015 20h52

Dois pais de vítimas da Boate Kiss recusaram um acordo para encerrar o processo criminal pelo qual são acusados de calúnia. A audiência na Justiça ocorreu na tarde desta quarta-feira (7), em Santa Maria (293 km de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul), e foi acompanhada de dezenas de familiares dos mortos e feridos.

A tragédia ocorreu no final de janeiro de 2013, quando a boate pegou fogo. Músicos da banda Gurizada Fandangueira usaram material pirotécnico durante a apresentação, mas o revestimento de espuma do teto pegou fogo. Quase 250 pessoas morreram asfixiadas pela espuma tóxica.

O presidente da AVTSM (Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria), Sérgio da Silva, e o presidente do Movimento Santa Maria do Luto à Luta, Flávio José da Silva, foram denunciados pelo Ministério Público acusados de espalhar pela cidade, palco da tragédia em janeiro de 2013, cartazes acusando o promotor Ricardo Lozza de prevaricação.

O material exibia uma foto do promotor acompanhado da frase: "O Ministério Público e seus promotores também sabiam que a boate estava funcionando de forma irregular". A pena para o crime de calúnia, em caso de condenação, é detenção de seis meses a dois anos e multa. Na denúncia, assinada pelo promotor Alexandre Salim, há o pedido de aumento da pena pelo fato de Lozza ser funcionário público.

Diante o juiz, nesta quarta, Sérgio da Silva e Flávio da Silva recusaram o acordo proposto em lei em troca da suspensão condicional do processo. Foi oferecido aos pais que se apresentassem trimestralmente em juízo, mantivessem endereços atualizados, doassem um salário mínimo nacional, cada, e fizessem uma retratação pública em jornal com texto aprovado pelo Ministério Público.

"Estão usando o Estado contra nós, que pagamos eles, que deveriam nos proteger", disse Sérgio da Silva.

A audiência durou menos de 30 minutos. Dezenas de pais de vítimas estiveram presentes apoiando Sérgio e Flávio. Houve comoção na saída dos dois da 4ª Vara Criminal de Santa Maria.

"Eles deixaram claro que querem ser processados. Eles realmente não se importam se serão condenados ou não. O que é uma condenação de um crime pequeno perto da perda de um filho?", questiona o advogado Ricardo Jobim. Os réus negam a autoria dos cartazes.

"Independente de quem colou [os cartazes], isso não é crime. Não é caluniar ninguém. Mas é uma crítica profissional. A gente precisa que a sociedade enxergue como é difícil perder um filho e ainda ter que lutar por Justiça em um sistema jurídico como o nosso", afirma Jobim.

O juiz responsável pelo caso, após concluir a análise dos autos, determinará dez dias para que os réus apresentem suas defesas por escrito e arrolem seus testemuhas.

Sérgio e Flávio são acusados de afixar, no início do ano, cartazes nas grades em frente ao fórum da cidade, na fachada do prédio onde funcionava a Kiss e na Praça Saldanha Marinho.

Em maio, o juiz Carlos Alberto Ely Fontela havia determinado que os cartazes fossem retirados dos locais em até 48 horas. Na ocasião, Lozza ajuizou uma ação alegando que o material extrapolava o direito de crítica.

No documento, ele afirmou que se sentia "consternado e temeroso pelo ataque direto que lhe vem sendo implicado, com ilações cruéis, especialmente para quem é membro da comunidade santa-mariense e nela convive diuturnamente".

Em seu despacho, o juiz defendeu que compreende "perfeitamente a dor dos pais" e que "não se discute a relevância da liberdade de expressão e de pensamento, direitos fundamentais que têm proteção constitucional. Por outro lado, também a honra e a imagem das pessoas são protegidas constitucionalmente".

Para o magistrado, a utilização dos cartazes com as frases e a fotografia do promotor "está fora do âmbito de proteção do direito fundamental da liberdade de expressão ou de pensamento, vindo a vulnerar a honra e a imagem do autor".