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Presidente do TRE-PE, 'desembargador meninão' já varreu chão de tribunal

Desembargador e presidente do TRE-PE, Antônio Carlos Alves da Silva, 66 - Divulgação/TRE-PE
Desembargador e presidente do TRE-PE, Antônio Carlos Alves da Silva, 66 Imagem: Divulgação/TRE-PE

Fabiana Maranhão

Do UOL, em São Paulo

16/10/2015 06h00Atualizada em 16/10/2015 19h54

"Desembargador meninão" é como o atual presidente do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Pernambuco é chamado tantos pelos colegas magistrados, como pelos funcionários dos tribunais onde atua. "Não me importo", diz o desembargador Antônio Carlos Alves da Silva, 66. E explica: "quando fico com raiva, o bico cresce". O apelido também é por conta do seu espírito brincalhão. "Eu perturbo tudo que é desembargador, servidor. Sou sessentão, mas tenho cara de 50", fala todo orgulhoso.

Tanta jovialidade e tamanho bom humor escondem uma história de vida de privações e sacrificada. O recifense conta que, durante sua infância, almoçava e jantava farinha branca molhada com cebola "porque não tinha o que comer". Diz que começou a trabalhar aos 11 anos para ajudar os pais. Já foi serviços gerais, estoquista, vendedor. No Tribunal de Justiça, foi auxiliar de portaria, varreu chão de tribunal, foi escrivão, oficial de Justiça e administrador de fórum.

O torcedor do Santa Cruz tinha quase 40 anos quando se formou em Direito e deu início a sua trajetória rumo ao cargo de desembargador. Há cerca de três meses, o ex-servente assumiu a presidência do TRE-PE. "O homem lá de cima fez um destino bom para mim", sorri. "Sempre quis alcançar um objetivo, que era dar conforto a minha mãe. Fiz tudo isso para compensá-la, mas não tive essa felicidade porque, com 50 anos, ela morreu. Mas continuei perseguindo [esse objetivo] para que, quando tivesse família, ela não passasse pelo que passei", fala.

Leia trechos da entrevista concedida por telefone pelo desembargador à reportagem do UOL:

Infância

Eu nasci no Recife. Fui criado em bairro de rico, chamado Espinheiro [na zona norte da capital pernambucana], mas era pobre. Nasci na rua Venezuela, em novembro de 1948. Meus avós eram pobres, meu pai também. Minha mãe era secretária na Metro Goldwyn Mayer, aquela do leão rugindo, que distribui filmes. Eu ia para lá ainda pequeno, aos sete anos, para pegar os filmes e ganhar dinheiro. Se você pegar uma caixa de sapato, fizer um furo, colocar uma lâmpada incandescente e água, a imagem cresce. Eu pegava as sobras de fita, colava umas nas outras, pegava dois carretéis de linha, botava a fita e ia puxando devagarzinho enquanto a pessoa olhava pelo buraco [da caixa]. Comecei a fazer isso por curiosidade e só depois passei a pedir [dinheiro]. Todo dinheiro que pegava eu entregava a minha mãe.

Sem ter o que comer

A situação era feia [lá em casa] porque a gente tinha dia de comer farinha branca molhada com cebola porque não tinha o que comer. Minha mãe trabalhava de dia e ia vender roupa à noite. Meu pai era censor em um colégio, fiscalizando a entrada e a saída dos alunos, e não ganhava quase nada. Quem sustentava a gente [pai, avós e seis crianças] era minha mãe.

Primeiro trabalho aos 11

Um vizinho que morava na rua Venezuela, José Guimarães Sobrinho tinha um escritório de advocacia e perguntou se eu queria trabalhar com ele. Eu tinha 11 anos: varria o escritório, limpava a sala de atendimento, fazia serviço de tribunal. Fiquei lá até os 14 anos, quando ele me levou para trabalhar em um armazém de louça. Entrei para varrer o chão. Depois fui convocado para o estoque, depois fui vendedor de louças. Dois anos depois houve um problema: um diretor queria colocar um parente no meu lugar e tive de sair.

Servente em tribunal

Quando completei 18 anos, José Guimarães me inscreveu em um concurso do tribunal. Fiz, passei e fui nomeado como auxiliar de portaria. Eu varria o chão porque não tinha funcionário suficiente. Um secretário do fórum estava saindo, e fui indicado para ser administrador do fórum. O cargo não existia, mas o desembargador mandou criar. Em 1974, fui o primeiro administrador do fórum Paula Batista, na rua do Imperador [centro do Recife].

Formado em Direito aos 38

O desembargador Guerra Barreto me disse que, para ser diretor do tribunal, eu tinha de fazer Direito. Eu já tinha levado pau duas vezes em Administração e acabei fazendo Relações Públicas. Barreto me pegou pelo braço, e eu entrei como portador de diploma na Unicap [Universidade Católica de Pernambuco]. Levei pau em Direito Penal e hoje eu sou desembargador criminal. Nessa época, eu já era casado e tive apoio total da minha família. Me formei em Direito com 38 anos.

Juiz e desembargador

Fiz concurso para juiz. [Na época], eu tive um problema de saúde e passei 30 dias na UTI [Unidade de Tratamento Intensivo]. Eu já estava em casa, mas não podia sair porque tiraram um pedaço da minha costela. [Mesmo assim], sai, fiz a entrevista, passei e fui assessorar o presidente do tribunal. Depois de um ano, ele me mandou para Parnamirim [a 564 km do Recife]. Foi um período sofrido porque minha mulher trabalhava no Recife, meus dois filhos estudando. Vinha todo fim de semana. Passei dois anos e meio nessa rotina. Teve período que eu estava com cinco comarcas ao mesmo tempo. [Tempos depois] voltei para o Recife; fui para o júri da capital [tribunal que julga crimes dolosos contra a vida, como homicídio]. Eu não queria nada com crime, mas o crime me perseguia. Um colega me levou para o 2º tribunal do júri, onde passei 13 anos como auxiliar dele. Fui promovido a desembargador em 2008.

Presidente de tribunal

Dois desembargadores do Tribunal de Justiça são indicados para o TRE-PE. Eu tinha o apoio da grande maioria. Fui indicado e eleito presidente. Nunca pensei nem em ser juiz. São os traçados de Deus. O homem lá de cima fez um destino bom para mim. Nasci pobre, minha mãe sacrificada com seis filhos. Eu sempre quis alcançar um objetivo, que era dar conforto a minha mãe. Fiz tudo isso para compensá-la, mas não tive essa felicidade porque, com 50 anos, ela morreu. Mas continuei perseguindo [esse objetivo] para que, quando tivesse família, ela não passasse pelo que passei.

"Desembargador meninão"

Na minha posse [como presidente do TRE-PE], me pediram para dizer alguma coisa: 'Deus quis e por isso que eu sou feliz'. Eu fico rindo. Perturbo tudo que é desembargador, servidor. Eu sou sessentão, mas tenho cara de 50. Me chamam de 'desembargador meninão' porque, quando fico com raiva, o bico cresce. Eu não me importo. Tive depressão há 11 anos e saí dela. Não tenho vergonha de falar. A gente tem que acabar com o que é ruim e acentuar o que nos deixa leve, feliz.