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Sem espelho, menores apreendidos no Rio se surpreendem com a própria imagem

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

06/11/2015 06h00

Para adolescentes apreendidos no Rio de Janeiro, a oficina desenvolvida por Alex Marcos Lima Alves, 43, agente do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) e estudante universitário de fotografia, é possivelmente a única chance de ver uma reprodução da própria imagem. Como medida de prevenção, as unidades de internação não possuem espelhos. Fatalmente, o objeto poderia ser quebrado e usado como material cortante em eventuais conflitos. Por esse motivo, o primeiro contato dos jovens com a câmera fotográfica é quase sempre um estímulo ao autorretrato.

"Se eu não controlar, eles passam a aula toda tirando selfies. É uma coisa natural, por conta da idade, mas também existe essa carência muito grande de reconhecer a própria imagem. (...) E, para eles, a imagem é sempre uma coisa ruim. Com exceção de alguns mais vaidosos, todos já projetam sua respectiva imagem com um olhar negativo, como se quisessem visualizar alguma coisa diferente daquele ambiente", afirmou o criador do projeto, batizado de "A Nossa Visão".

Desde janeiro, o agente já fez três ciclos de oficinas voluntárias na capital fluminense, em Niterói, na região metropolitana do Estado e na Baixada Fluminense, pelas quais passaram 179 alunos --157 meninos e 22 meninas. Cada turma tem, em média, 15 alunos, e as aulas duram cerca de uma hora. Ao fim do período de atividades, os participantes ganham um certificado de conclusão. Além de noções práticas e teóricas sobre a fotografia, os jovens são incentivados a refletir e desconstruir preconceitos. "A fotografia é um meio para isso", diz.

Segundo ele, essa perda da referência visual de si mesmo faz com que grande parte dos jovens atente para pequenas variações estéticas quando, enfim, têm o primeiro contato com a reprodução da própria imagem. "Muitos ficam realmente surpresos. A maioria dos meninos se acha mais gordo do que quando entrou. 'Nossa, como estou gordo.' Há os que falam: 'Nossa, como estou barbudo' ou 'cheio de espinhas'. Isso ocorre com frequência", explicou.

Marcos disse ter criado, logo no início das oficinas, um exercício para estimular a memória dos jovens. Ele os fotografava, mas não mostrava o registro na própria câmera. No dia seguinte, o agente socioeducativo imprimia as fotos e as picotava. "Posicionava todos os pedaços em cima de uma mesa, e a sugestão era que eles fossem capazes de juntar esses pequenos recortes de si mesmo, construindo a foto. O exercício gerava uma reflexão muito forte, e eu os questionava: é assim que vocês se veem? Certo, mas é assim que, lá fora, as pessoas enxergam vocês? Essa troca de ideias é o que dá sentido ao projeto."

Questionado sobre o potencial dos alunos, o criador do projeto "A Nossa Visão" diz que alguns jovens se destacaram pelo "olhar diferenciado". Um deles, inclusive, demonstrou ter habilidade em relação à composição de cenários. "Na primeira vez que eu pedi uma foto para ele, disse que tinha que cobrir os olhos. Ele inventou uma solução na hora, posicionando a grade do alojamento na frente dos olhos. Ele conseguiu registrar tudo o que era importante naquele cenário. A sensação de estar aprisionado, o autorretrato, o ambiente hostil", explicou.

Presença de facções criminosas

Durante as aulas, a única regra expressamente definida pelo professor é estabelecer um distanciamento entre os conhecimentos adquiridos e o universo das facções criminosas. Marcos explica que, no começo, muitos jovens queriam tirar fotos com gestos ou símbolos que remetessem ao Comando Vermelho.

"Eu tento explicar isso no papo mesmo. Pelo menos nessa uma hora de aula, esqueçam a facção de cada um. A gente quer desconstruir imagens, e não reforçá-las. Eles entendem isso. Os próprios alunos exercem vigilância entre si. Se um faz o 'CV' [gesto com os dedos das mãos], os próprios colegas chamam a atenção", disse.

Segundo o agente do Degase, "a maioria dos internos vem do tráfico de drogas", mas também há suspeitos de homicídio, roubo, furto, entre outros delitos. "Eu tenho alunos que falam abertamente: 'Eu sou bandido', 'é isso mesmo que eu sou'. Eu costumo dizer que, quando eu entro para dar aula na oficina, meu julgamento fica do lado de fora. Ali, estamos iguais. Não quero impor nem mudar ninguém", declarou.

Marcos explica ainda que a presença de facções criminosas dentro do Degase é tão forte que os internos são distribuídos em alojamentos predefinidos, evitando-se assim que jovens de grupos rivais fiquem no mesmo espaço. 

Câmeras doadas por amigos

Marcos criou a oficina "A Nossa Visão" depois de realizar, no ano passado, um trabalho acadêmico em uma das unidades do Degase, onde ele trabalha há dez anos. A direção do órgão gostou das fotografias registradas pelo estudante universitário, à época no terceiro período da faculdade, e sugeriu que ele criasse um projeto social. Para viabilizar a ação, ele contou com a colaboração e solidariedade de amigos, que doaram 12 máquinas compactas digitais e uma analógica.

Além disso, Marcos utiliza a sua própria câmera profissional, principalmente para explicações mais avançadas sobre técnica fotográfica. Os alunos, afirma, têm "grande respeito pelo equipamento". "Eles já passam para os outros colocando no pescoço, com medo de cair no chão. Quando um não o faz corretamente, outro já chama a atenção. Eles são bem disciplinados em relação a isso."