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Lama arrasa pesca no rio Doce, e pescadores veem futuro 'desolador'

Gustavo Maia e Marcela Sevilla

Do UOL, em Tumiritinga (MG)

21/11/2015 16h28

Rio arrasado, pesca inviabilizada, futuro assustador. Os pescadores que vivem na cidade de Tumiritinga (MG) e em outros municípios na rota da lama das barragens rompidas de Mariana, desamparados, são incapazes de imaginar os efeitos do desastre em suas vidas, mas sabem que eles foram imediatos.

"A pesca acabou. Tiraram 100% do nosso sustento", resume Cremilda Pereira Amorim, 58. Além de paralisar as atividades, a lama deixou os trabalhadores com medo de não ter como colocar comida na mesa de casa.

Os danos socioambientais são devastadores e praticamente inutilizaram o rio Doce -- após o rompimento de barragens da mineradora Samarco, em Mariana (MG), há mais de duas semanas. A enxurrada de rejeitos de minério continua a se deslocar pelo Espírito Santo em direção ao oceano Atlântico.

Eles não mataram só os peixes. A esperança de muitas famílias morreu naquele momento junto com esse rio. Se continuar do jeito que está, eles vão matar muitas famílias de fome

Ivani Miranda de Faria, 49, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e vereadora de Tumiritinga 

"O tanto de milhões que estão sobrando no bolso do pessoal da Samarco está faltando de arroz com feijão na mesa dos pescadores e dos agricultores na beira desse rio."

Marido de Cremilda, o pescador e agricultor Celiomar Ribeiro de Amorim, 56, diz esperar dias melhores, mas conta que sabe que a população ribeirinha ainda vai enfrentar muitas dificuldades. "O meu ganha-pão chama-se rio Doce. Eu não tenho diploma nenhum, formatura nenhuma, vivo da pesca. Hoje você não ter condições de pegar um peixe, não digo nem para vender, mas para se alimentar, dá vontade até de chorar."

"E tudo por causa da Samarco, essa mineradora que soltou esse monte de imundície matando tudo o que há. Falta pouco para matar a gente, porque os peixes já acabaram", reclama Amorim.

O desastre ocorreu quatro dias após o início do período de piracema, quando a pesca fica restrita ao limite de 3 kg por dia, de espécies não nativas. "Com essa quantidade daria para se alimentar e vender para comprar alguma coisa. Sem isso, é impossível essas famílias se alimentarem", afirma Ivani.

Rotina alterada

A lama alterou completamente a rotina de Gildair Rodrigues de Souza, 45. "Minha vida era a vida do peixe. Agora a coisa está feia. E o que é que a gente faz? O que vai acontecer com um pobre de um pescador que vive do rio?", questiona. "Eu acho que eles tinham que ver o que poderiam fazer para a gente, como uma indenização para nós que temos carteirinha de pesca, por exemplo."

Para Oscar Vidal Neto, 49, até falar sobre o rio Doce é difícil. "Agora é o rio amargo. É uma tristeza você chegar perto e ver o tanto de peixe morto", conta o pescador. Otimista, ele diz acreditar que, com a união da população, seria possível ressuscitar o manancial, mas teme que outra tragédia acabe com essa chance.

"Pode acontecer de daqui a cinco ou dez anos já estar tudo resolvido no rio Doce e outra represa se romper lá [em Mariana] e acabar com tudo de novo. Já está com rachaduras. A gente não sabe o dia de amanhã", diz Vidal.

Diante do quadro desolador, há quem ainda manifeste alguma esperança, ainda que a preocupação domine os pensamentos. "Eu espero que eles deem um jeito de limpar o rio e uma assistência para a gente. A cidade toda depende do rio. O que vamos fazer sem peixe, sem a renda?", diz a pescadora Eliane Santiago, 35, com saudades de pescar.

'Paraíso destruído'

O casal Celiomar e Cremilda Amorim vive em uma ilha situada no meio do rio Doce. A amigos, costumavam classificar como "paraíso" o terreno, repleto de plantações. "Agora acabou, né? Era tudo muito bonito, verde. Agora a gente tem até vontade de abandonar, porque não tem como trabalhar. É difícil", afirma a mulher.

Depois que a água do rio ficou inutilizável, Celiomar conta que passou a beber mais água dos cocos cultivados na ilha. "Mas não é todo mundo que tem esse privilégio que a gente tem", comenta.

"Nós já estamos caminhando para o final da vida. Mas isso pode ser prejudicial para os nossos filhos, netos e para quem vive em função do rio Doce", declara o pescador.