UOL TAB #54: O morador de rua e seus sentimentos

Sergio Kodato

Professor de psicologia social da USP/Ribeirão Preto

Nossa identidade, personalidade, estabilidade emocional e prazer em viver se constroem e se mantém com base nos vínculos afetivos e produtivos que mantemos com as pessoas, nos grupos humanos nos quais estamos incluídos e produzimos sentidos para a existência trágica dos tempos atuais. A identidade, o jeito de ser de um indivíduo é legitimado pelos grupos dos quais ele participa, com especial destaque para o grupo familiar e de amigos próximos.

Quando saímos de casa, seja por vontade própria ou por exclusão; quando abandonamos os grupos que frequentamos e o trabalho que nos fornece o sustento, toda a energia vital e amorosa que estava investida nessas atividades e nas pessoas queridas fica sem motivação e sem sentido, suspensa no ar, transformando-se na terrível angústia...  Angústia é um sentimento em que a energia amorosa perdeu seu objeto de afeto e com isso a pessoa entra num estado de náusea, de sofrimento intenso, com depressão pela perda dos entes queridos, desespero pela ausência de uma vida e um futuro digno.

O morador de rua, sem-teto ou sem-abrigo é o indivíduo que vive em extrema carência material e afetiva, não conseguindo criar as condições mínimas de sobrevivência e conforto com seus próprios meios, tendendo a um estado de desorganização da personalidade e de loucura. Tal situação de indigência material e espiritual força o indivíduo a viver ao léu, perambulando por locais públicos, apresentando sintomas psicóticos como: falar sozinho, surtos paranoides e de agressividade, ou inanição, depressão profunda, tendendo a esquizofrenia.

O sofrimento pela separação e rejeição familiar, a baixa autoestima, a fome, a ideação suicida, tudo isso contribui para a sua situação de vulnerabilidade e risco. Ficam expostos a toxicodependência, alcoolismo, promiscuidade sexual, criminalidade e violência urbana. Os sem-teto obtêm normalmente os seus parcos rendimentos através de subsídios de sobrevivência estatais ou através da prática da mendicância à porta de igrejas, em semáforos ou em locais bastante movimentados como os centros das grandes metrópoles.

As cracolândias dos grandes centros urbanos configuram-se como espaços de identidade marginal, aonde a droga amortece a insuportável angústia existencial daqueles marginalizados e excluídos do convívio social, a convivência e o consumo do crack em bandos de viciados permite o sentimento de pertença a um grupo, que lhes garante um lugar na sociedade: representantes de uma chaga social, de uma epidemia de miséria, desumanidade e barbárie... Tudo piora com a intervenção policial repressiva e violenta. Os serviços de assistência social buscam de alguma forma a inclusão do morador de rua, mas só a laborterapia ou recuperação através do trabalho digno é que permite a verdadeira inclusão e reintegração social. O grande sonho de todo morador de rua é retornar ao convívio familiar ou constituir uma.

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