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"Pedrada atingiu uma nação", diz mãe de santo sobre ataque à neta

A menina atingida por uma pedrada ao voltar de um culto de candomblé, na Vila da Penha, zona norte do Rio de Janeiro.  - Carlos Moraes - 26.jun.2015/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
A menina atingida por uma pedrada ao voltar de um culto de candomblé, na Vila da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Imagem: Carlos Moraes - 26.jun.2015/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

21/01/2016 16h11Atualizada em 21/01/2016 19h10

A mãe de santo Katia Marinho, 54, diz o que pensa sobre o ataque à sua neta de 11 anos, motivado por intolerância religiosa: “Foi uma pedrada que atingiu uma nação inteira”, afirma.

Em junho do ano passado, a neta de Katia foi atingida por uma pedra atirada contra um grupo de oito pessoas que voltavam, vestidas de branco, de um culto de candomblé, na Vila da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. A pedrada foi desferida por dois jovens que pouco antes haviam gritado insultos ao grupo, como: “bando de macumbeiros, vão queimar no inferno”.

A mãe de santo conta que a neta, hoje com 12 anos, já perdeu o medo de andar de branco pela rua e que a família não mudou a rotina nem as celebrações religiosas por causa do ataque. A menina, diz Katia, foi escolhida por seu orixá para ser sua sucessora e um dia irá comandar os trabalhos no terreiro.

“Se Deus quiser, os filhos de santo dela não vão conhecer a intolerância, isso vai acabar”, diz.

A repercussão que o ataque ganhou na imprensa é vista por Katia como um estímulo às mobilizações contra a intolerância religiosa, que afeta principalmente as religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda. Pesquisa da CCIR (Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro) aponta que essas religiões são alvo de mais de 70% das denúncias de intolerância no Estado do Rio.

Nesta quinta-feira (21), o Brasil comemora o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

“O povo estava muito acostumado a não ser tolerado, então essa pedrada fez nosso povo despertar. Foi uma pedrada que atingiu uma nação inteira”, afirma Kátia. “É hora de realmente não parar [a luta contra a discriminação]. Porque senão acaba no esquecimento”, diz.

 

Preconceito

Para a mãe de santo, a intolerância contra o candomblé tem raízes no racismo contra os povos e culturas africanas que ajudaram a formar o Brasil, mas é agravado pela pregação de religiões que costumam associar entidades dessas religiões com o diabo.

Nesse ponto, Kátia faz um reparo a essa interpretação e uma correção aos insultos recebidos no dia do ataque à sua neta: “O demônio nunca nos pertenceu. Não temos demônio [no candomblé]. Nós temos os mensageiros, que são as energias. Nós de matriz africana não usamos essa imagem. Essa imagem do diabo não é nossa”, explica.

Segundo a mãe de santo, apesar de a figura do diabo não estar presente na liturgia afrobrasileira, essa associação tem origem no chamado sincretismo religioso, que historicamente levou à identificação de entidades das religiões africanas com figuras do catolicismo, crença dominante no país.

“O que nós estamos sofrendo é porque isso é induzido, é colocado na cabeça das pessoas: que é uma religião de demônio, o qual nunca nos pertenceu”, diz. “Porque, se meu marido me traiu, [para essas religiões] foi o demônio. Não é porque ele é safado”, afirma.

Investigação

A investigação policial sobre o atentado à neta da mãe de santo terminou arquivada sem a identificação dos suspeitos, segundo Katia.

Katia afirma que a polícia chegou a ter acesso às gravações das câmeras de segurança do ônibus no qual os dois jovens embarcaram após o ataque, mas o grupo que sofreu o atentado não conseguiu ter certeza sobre se os suspeitos de fato eram os dois que apareciam no vídeo, e não houve a confirmação da identidade deles à polícia.

Entre a possibilidade de acusar um inocente e o risco de o crime permanecer impune, Kátia diz ter escolhido a segunda.

“Eu preferi não afirmar, porque tinha dúvida. Um afirmou que era, a outra afirmou que não era. Então, como estava de noite, distante, eu falei pro delegado que preferia não fazer o reconhecimento”, diz. “Eu achei que seria arriscar muito, com dúvida, você acusar alguém. Até em prol da minha luta, isso seria um prato cheio para reverter o quadro se fosse acusado um inocente”, ela afirma.

Procurada pela reportagem do UOL, a Polícia Civil do Rio de Janeiro confirmou que o inquérito foi encerrado sem a identificação dos suspeitos.