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Falar em licença-maternidade é reforçar o machismo na sociedade, diz ONG

Congresso aprovou a ampliação da licença-paternidade para 20 dias em todo o país - Getty Images
Congresso aprovou a ampliação da licença-paternidade para 20 dias em todo o país Imagem: Getty Images

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

04/02/2016 06h00

No fim de dezembro o Rio de Janeiro entrou para o rol de Estados que optaram por estender a licença-paternidade para além dos cinco dias já previstos por lei. No caso dos servidores fluminenses, o benefício passou para 30 dias -- além do Rio, apenas São Paulo permite aos pais passar um mês ajudando no cuidado dos filhos recém-nascidos.

Na quarta-feira (3), o Congresso aprovou a ampliação da licença-paternidade para 20 dias em todo o país. A proposta seguirá para sanção da presidente Dilma Rousseff, que pode aprovar ou vetar.

Para Marco Martins, coordenador executivo da ONG (Organização Não-Governamental) Promundo, que trabalha para promover a equidade de gênero, a medida é uma pequena vitória em um caminho mais amplo. Segundo ele, estudos mostram que o envolvimento do homem no exercício da paternidade e do cuidado ajuda as crianças a se desenvolverem e tem sido associado a um maior desenvolvimento cognitivo e desempenho escolar, uma melhor saúde mental de meninos e meninas, e menores taxas de delinquência.

“Não queremos a ampliação da legislação só pela ampliação. O grande objetivo é envolver os homens no cuidado e na divisão das tarefas domésticas, o que acaba tendo um impacto grande para toda a sociedade”, defende.

Ele lembra que enquanto o Brasil ainda debate a licença-paternidade e a licença-maternidade, em muitos países a questão é a “licença-parental”, período mais longo em que mãe e pai podem dividir o tempo que cada um irá ficar com a criança após o nascimento. Na Suécia, por exemplo, a lei que estabelece esse benefício completa em 2016 41 anos. "A licença-parental é muito mais equitativa. Quando você fala em licença-maternidade você reforça o machismo ao informar para a sociedade que quem cuida é a mulher”, diz.

Até hoje, cerca de 30 projetos de lei sobre o tema em âmbito nacional já foram apresentados. O mais avançado, lembra Martins, é o Marco Legal da Primeira Infância, uma série de medidas que envolvem os primeiros 1.000 dias de toda a criança. “A licença-paternidade acaba sendo um dos itens relacionados aos direitos das crianças pequenas. Dentro dessa condição, você tem o direito a ser cuidado.”

"Deveria ser o normal"

“Pai em tempo integral”, o sanitarista Téo Cordeiro se organizou para cuidar do filho de dois anos e meio enquanto a mãe da criança trabalha. Apesar de enxergar a licença como um avanço, ele critica a ausência de homens nesse debate e a supervalorização do pai presente. “Isso deveria ser o normal”, diz.

Ele lembra que foi o movimento feminino que lutou pela ampliação da licença, e não os pais. “Onde estão os vencedores dessa vitória, os homens comemorando?”, questiona. Para ele que, assim como Martins, também defende a licença-parental, a licença-paternidade abre a possibilidade de desnaturalizar a ideia de que o cuidado é algo ligado a cultura da mulher. “É preciso debater de quem é essa responsabilidade de cuidar. Quem sabe isso faça com que homens se mobilizem por esse tema e reivindiquem esse espaço”.

Mestre de bateria, ele criou o bloco de Carnaval “Deixa que eu cuido”, que propõe se reunir na terça-feira (9) nos jardins do MAM (Museu de Arte Moderna), no centro do Rio, e realizar brincadeiras e atividades com as crianças enquanto as mães aproveitam a folia. “A iniciativa do bloco é uma provocação aos pais. Você que não cuida o ano inteiro, inclusive no Carnaval, companheiro, se liga”, diz.

Apesar de centenas de pessoas terem confirmado presença ele reclama que são poucos os pais de fato dispostos a participar. “Sair cinco dias para o Carnaval sem dar satisfação é um privilégio. Vou sozinho, eu e meu amigo. Capaz de não aparecer ninguém”, diz.

Licença-paternidade maior já existe em 15 Estados e 14 capitais

Pouco conhecida pela população - Martins lembra que muitos funcionários públicos nem sabem que tem esse direito -, a licença-paternidade de mais de cinco dias já é realidade em 15 Estados e 14 capitas do país. Os dados fazem parte do primeiro relatório sobre a situação da paternidade no Brasil elaborado pela Promundo em parceria com a Rede Nacional de Primeira Infância, que será divulgado em maio. 

À frente estão Rio e São Paulo, em que os servidores têm direito a 30 dias de licença. Em seguida, vêm Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Pernambuco, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com 15 dias. Entre as capitais, o maior benefício é concedido em João Pessoa, em que os servidores municipais são autorizados a passarem um mês com os filhos.