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Atingidos por rompimento de barragem criticam acordo com a Samarco

Carlos Eduardo Cherem e Rayder Bragon

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

02/03/2016 19h30

Vítimas do rompimento da barragem de Fundão, que ruiu em Mariana (MG), em novembro do ano passado, criticaram o acordo coletivo celebrado nesta quarta-feira (2) entre a União, os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a empresa Samarco e suas controladoras, a Vale e a anglo-australiana BHP.

Pelo pacto celebrado em Brasília, uma fundação será criada para gerir R$ 20 bilhões oriundos da Samarco para a recuperação das áreas degradadas. O repasse do valor será gradativo ao longo de dez anos. Nesses primeiros três anos, há previsão de serem desembolsados R$ 4,4 bilhões.

Ouvidos pelo UOL, alguns ex-moradores de Bento Rodrigues, o distrito de Mariana mais castigado pela lama que vazou da estrutura, disseram que desconheciam a existência de um processo nesse sentido e afirmaram somente ter tomado ciência recentemente pela imprensa.

“É um absurdo. A gente não está participando dele. Nós somos os principais atingidos, Em nenhum momento fomos chamados para participar de nada. A gente tem medo de sermos totalmente esquecidos e não ser feito nada do que a gente espera que seja feito. Como no Brasil tudo termina em pizza, os maiores sempre vencem, nós somos minoria, estamos a perigo”, afirmou a auxiliar de dentista Simaria Caetana Quintão, 42.

“Falam muito na [recuperação da] bacia do rio Doce, mas não falam nada sobre a gente. Fomos totalmente deixados de lado nesse caso. A gente não sabe de nada desse acordo. Estamos acompanhando apenas pela internet”, disse Simaria. Atualmente, ela mora com a filha em apartamento alugado pela mineradora, em Mariana.

De maneira semelhante, a dona de casa Marly de Fátima Felício Felipe, 32, surpreendeu-se com a notícia da assinatura do acordo. “Eu não estou nem sabendo. A gente não está sabendo de nada. Mas acho isso muito errado. Deviam ter chamado os moradores", disse. Ela e a família residem em casa alugada pela Samarco. “A gente só fica sabendo das coisas pela televisão. Ninguém procura a gente para nada. Eu acho importante recuperar o meio ambiente, mas precisam olhar para nós também.”

Para o topógrafo Manoel Jonathan Fialho, 27, o receio é de não ver nada ser solucionado. “Eu fiquei sabendo há pouco tempo. A gente não fica por dentro de nada. Já que os atingidos fomos nós, tínhamos por estar por dentro de tudo que estivesse acontecendo, mas não participamos de nada. Era para ter tido ao menos representante dos moradores nessas discussões. Agora estou com muito medo de não dar em nada.”

José do Nascimento Rodrigues, 70, presidente da Associação de Moradores de Bento Rodrigues, disse entender que a preocupação dos signatários do acordo coletivo está mais focada no meio ambiente, em detrimento dos atingidos.

“Eles estão olhando mais o leito do rio Doce e estão se esquecendo dos atingidos, que não têm mais nada. Perderam a vida, perderam a casa, perderam a escola e a igreja. Perderam tudo e, agora, são esquecidos. A vida parou, tudo parou, E nós, como vamos ficar?" 

Segundo ele, o rio tem de ser recuperado, mas disse entender que o dinheiro cobrado da empresa será canalizado somente para esse fim. “Não é que eu não ache que o rio Doce não tenha de ser olhado, mas esse pessoal está cobrando esse dinheiro das mineradoras somente para o rio.”