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Trens do metrô e da CPTM têm um caso de abuso sexual a cada dois dias

Marcio Ribeiro/ Brazil Photo Press/ Estadão Conteúdo
Imagem: Marcio Ribeiro/ Brazil Photo Press/ Estadão Conteúdo

Léo Arcoverde

Colaboração para o UOL, em São Paulo

08/03/2016 01h00

Os trens do metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) registraram, em 2015, uma média de um caso de abuso sexual a cada dois dias na Grande São Paulo. Entre janeiro e dezembro do ano passado, foram contabilizados 181 casos, o que equivale a um aumento de 20,6% em relação às 150 ocorrências registradas em 2014.

É o que aponta levantamento inédito feito pelo site Fiquem Sabendo, com base em dados da Delpom (Delegacia de Polícia do Metropolitano), da Polícia Civil, obtidos por meio da Lei Federal nº 12.527 (Lei de Acesso à Informação).

A delegacia é responsável por registrar e investigar os casos de abuso sexual no sistema metroviário ocorridos em toda a capital paulista.

Não estão computados nesse levantamento eventuais ocorrências de violência sexual registradas por passageiras da CPTM em delegacias de outras cidades da Grande São Paulo. 

A reportagem tabulou o número de boletins de ocorrência com as três naturezas criminais mais tipificadas pela Polícia Civil em relação ao abuso sexual: importunação ofensiva ao pudor, que, pela lei brasileira, não é crime, mas sim uma contravenção penal (delito de menor gravidade, que não prevê prisão em caso de condenação de um acusado), e os crimes de violação sexual mediante fraude e estupro.

Entre 2011, foram registrados 90 casos de abuso sexual nos trens do metrô e da CPTM na cidade de São Paulo, e os registros foram aumentando ano a ano. Em 2015, o número total de casos de abuso sexual nos trens do metrô e da CPTM dobrou em cinco anos. 

Segundo o delegado Osvaldo Nico Gonçalves, diretor do Decade (Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas), responsável pela Delpom, o que leva a polícia, na prática, a classificar uma situação de abuso sexual no transporte público como contravenção ou crime “é a análise do caso concreto feita pelo delegado, tendo por base a gravidade da situação e o fato de o acusado ter agido ou não com violência”.

“Há todo tipo de abuso sexual nos trens. As situações em que o sujeito encosta na mulher são, na maioria das vezes, importunação [ofensiva ao pudor]. Agora, há casos em que o homem chega a ejacular. Aí é estupro direto. [A classificação] Depende da gravidade”, explica o delegado.

A lei brasileira estipula penas bem diferentes para cada uma dessas condutas: apenas o pagamento de multa para a importunação ofensiva ao pudor, prisão de dois a seis anos para a violação sexual mediante fraude e de seis a dez anos em caso de estupro.

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Maioria dos casos é considerada delito leve

Dos 181 casos de abuso sexual nos trens do metrô e da CPTM registrados em 2015, 94% deles (171) foram classificados pela Polícia Civil como importunação sexual mediante fraude; sete foram considerados violação sexual mediante fraude (4% do total) e apenas três (2%), estupro.

O fato de a grande maioria dos casos de abuso sexual ser classificada como delito de menor gravidade ocorreu em todos os cinco anos com estatísticas analisadas pela reportagem, tanto no metrô quanto na CPTM.

Em 2011, por exemplo, a CPTM registrou 27 casos de importunação sexual, um de violação sexual mediante fraude e nenhum de estupro. No mesmo ano, no metrô, foram contabilizadas 60 ocorrências de importunação, duas de violação sexual mediante fraude e nenhuma de estupro.

Na avaliação do jurista e professor de direito penal Luiz Flávio Gomes, isso só ocorre porque a lei brasileira não prevê, concretamente, um crime intermediário entre a importunação e o estupro.

“Pela lei, a importunação ofensiva ao pudor pressupõe que não haja toque físico. Um exemplo disso é a situação em que o homem chama a mulher de bunduda, gostosa ou qualquer outra forma que a ofenda”, diz Gomes. “Havendo toque físico, qualquer que seja ele, é estupro.”

De acordo com o jurista, o fato de o estupro ter uma pena muito alta faz com que a polícia e o próprio Poder Judiciário classifiquem os casos de abuso sexual de outras formas. Assim, eles evitam que as “encoxadas” praticadas no transporte público sejam punidas como estupro.

“Deveria ser criado o crime molestamento sexual, com pena de dois a seis anos, como está previsto na reforma do Código Penal, em tramitação no Senado. Como ele ainda não existe, as autoridades hoje ‘forçam a barra’, enquadrando casos de abuso sexual como violação sexual mediante fraude e importunação, quando não o são.”

Pela lei, diz Gomes, a violação sexual mediante fraude se aplica a casos em que o suspeito mente para a vítima, passando-se por outra pessoa, para levá-la a fazer sexo ou praticar outro ato libidinoso com ele, por exemplo. “Não vejo como isso pode ocorrer no transporte público.”

Queda de subnotificação

A Secretaria de Estado da Segurança Pública informou, por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa, que “os casos de abuso sexual no sistema metroviário têm aumentado, ano após ano, conforme aumento do número de passageiros e a intensificação do trabalho policial para reduzir a subnotificação das ocorrências de importunação ofensiva ao pudor”. “Através do monitoramento por câmeras de segurança e agentes infiltrados em vagões, a polícia civil observa e atua em caso de atitudes suspeitas.”

Quanto ao fato de haver mais casos registrados no metrô do que na CPTM, a secretaria disse que isso ocorre porque “as linhas e estações da CPTM abrangem grande parte da Região Metropolitana São Paulo e não apenas a Capital”. “As ocorrências da Grande São Paulo são registradas nas delegacias de cada área, distribuindo os registros.”

Já a Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos, responsável pelo metrô e pela CPTM, também por meio de nota, informa que as duas empresas “vêm intensificando suas campanhas de cidadania e conscientização e as ações de combate ao crime”. Segundo a pasta, isso “tem estimulado mulheres que passam por este constrangimento a registrarem denúncia e BO em delegacias de polícia”.

De acordo com a secretaria, desde o início da campanha “Você não está Sozinha”, no metrô, em 2014, o número de relatos de abuso sexual recebidas pelo Metrô por meio de seu SMS-Denúncia tem crescido. “O número de registro de ocorrências saltou de 76 em 2013 para 120 em 2014 e 146 em 2015.” O número do SMS-Denúncia do metrô é o 97333-2252.

A secretaria informou que, no metrô, “foi criado um programa de combate ao abuso no qual todos os agentes de segurança e de estação passaram por treinamento para acolhimento das vítimas”. Segundo a secretaria, 9 em cada 10 suspeitos de abuso sexual são detidos pelos agentes de segurança do Metrô e encaminhados para as autoridades policiais.

Com relação à CPTM, a secretaria diz que também é feita uma campanha de conscientização, por meio de mensagens sonoras nos trens e estações e nas redes sociais. O número do SMS-Denúncia da CPTM é o 97150-4949.

Em 2015, seguranças da CPTM detiveram 92 suspeitos de abuso sexual. Tanto no metrô quanto na CPTM, os canais de denúncia “garantem total anonimato” ao denunciante, segundo a nota, que acrescenta que "os agentes de todo o sistema metroviários também são treinados para auxiliar e a acompanhar a vítima até a delegacia, onde é feito o registro da ocorrência".