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Pequenos cães de raça são alvo preferido de ladrões; saiba como protegê-los

Izilda Biel é umas vítimas de roubo de cão. Seu Whiskey, da raça spitz, foi levado em junho do ano passado de suas mãos, no Tatuapé, em São Paulo - Guilherme Azevedo/UOL
Izilda Biel é umas vítimas de roubo de cão. Seu Whiskey, da raça spitz, foi levado em junho do ano passado de suas mãos, no Tatuapé, em São Paulo Imagem: Guilherme Azevedo/UOL

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

20/03/2016 06h00

"Volta Thor". "Volta Bob". "Cachorro procurado Whiskey fui roubado". São páginas no Facebook, criadas por donos de cães furtados ou roubados, que dão visibilidade ao crescimento da prática desses crimes nos grandes centros urbanos, segundo a percepção de ONGs que lidam diretamente com causas caninas.

"A quantidade de famílias 'cachorreiras' cresceu muito. São muito mais pessoas comprando cachorro pela primeira vez, e os incidentes acabam acontecendo de forma proporcional", contextualiza Andrea Giusti, sócia do Procura-se Cachorro, serviço "on-line" (com endereço na internet, página no Facebook, conta no Instagram e grupo no WhatsApp) que tenta (re)conectar quem perdeu e quem achou um cão.

Na experiência de Rafael Miranda, presidente da ONG Cão Sem Dono, de São Paulo, que acolhe e encaminha animais, o crescimento dos casos de furtos e roubos de cães vem de dois anos para cá e pode estar relacionado à agudização da crise econômica brasileira, com reflexos sobre o emprego e a renda.

Uma estatística que dimensione furtos e roubos de cães não existe no Brasil, assim como não há um censo periódico da população canina.

O que há é apenas uma pesquisa nacional de saúde do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) relativa a 2013, que dá uma ideia do universo das famílias com cães no país: de acordo com a pesquisa, 44,3% dos 65,1 milhões de domicílios brasileiros tinham cachorro naquele ano. Isto é, quase metade dos domicílios possuía ao menos um cão.

Mensagem postada na página "Volta Thor", em 24 de dezembro de 2015:

E nesse natal eu continuo desejando a mesma coisa! Vc em meus braços novamente ! Que Deus te proteja meu bb ! #VOLTATHORTE AMO TANTO E A SAUDADE SÓ

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AUMENTA!

Publicado por VOLTA THOR em Quinta, 24 de dezembro de 2015

Segundo Giusti, as informações sobre furto de roubos e cães vêm crescendo especificamente desde junho de 2015 e hoje, de cada dez casos de animais perdidos registrados no Procura-se Cachorro, dois são de furtos ou roubos. Ela nota "profissionalização" na forma de atuar dos criminosos, incluindo a formação de quadrilhas, contra o estilo "ladrão de galinha" do passado. "Virou uma moda: não roubam para pedir resgate, mas para revender." O repasse rápido do animal se tornou uma necessidade do ladrão, segundo ela, devido à aceleração da mobilização das vítimas via redes sociais.

Miranda, da ONG Cão Sem Dono, é também uma das vítimas: sua casa em São Paulo foi arrombada em agosto do ano passado, uma terça-feira na hora do almoço, e, além de bens como computador e TV, os ladrões levaram também a cadela Princesa, da raça lhasa apso, até hoje não encontrada. Não furtaram nenhum dos outros três cachorros da casa, todos de raças não definidas.

Mensagem publicada na página "Volta Bob", em 15 de fevereiro deste ano:

Galera VISUALIZAR sem COMPARTILHAR nao adianta .... Vamos COMPARTILHAR é por Amor ??Galera tem...

Publicado por Volta Bob em Segunda, 15 de fevereiro de 2016

 

A propósito, são cães de raça e de pequeno porte os preferidos pelos ladrões, entre eles, os das raças spitz (lulu da pomerânia), yorkshire, pug, shih tzu, maltês e buldogue francês. A aquisição de um filhote dessas raças, observados certos cruzamentos e características, pode chegar a R$ 10 mil em canis ou pet shops especializados. Uma pesquisa rápida no site Mercado Livre, na sexta-feira (11), mostrou filhotes à venda de spitz por R$ 4.500 e de yorkshire por R$ 2.300.

A compra e venda de cães se tornou um negócio lucrativo e certas raças são um sonho de consumo e símbolo de status. Daí um outro movimento em sentido contrário, disseminando a cultura da adoção de cães sem raça definida. Uma prática que ajudaria a reduzir esse mercado e, quem sabe, como querem muitos, interrompê-lo. "Não compre, adote", como pregam ONGs e ativistas, pode ser uma boa surpresa e uma solução. "As pessoas não têm mais preconceito de dizer que o animal é adotado. E fazem todos os mimos por ele, compram todos os frufruzinhos", aprova Andrea Giusti.

 

 

Auto da barca do inferno

Whiskey ao lado de sua companheira, Maia - Izilda Biel/Álbum Pessoal - Izilda Biel/Álbum Pessoal
Whiskey ao lado de sua companheira, Maia
Imagem: Izilda Biel/Álbum Pessoal
 

 

Era 13 de junho de 2015, sábado, por volta das 17h. Dia nublado, chuvoso. Dona Izilda Biel passeia com seu casal de cães, da raça spitz, pela rua Itapeti, porção elegante e tranquila do bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Numa mão, Maia, na outra, Whiskey. Ela pisava o concreto distraída lendo um exemplar de "Auto da barca do inferno", livro clássico de Gil Vicente, uma sátira mordaz à sociedade portuguesa do século XVI. Na mesma calçada não vinha o diabo, não, como no livro, mas alguém capaz de lhe fazer algum mal.

O homem, de cerca de 30 anos, barba rala, boné, bermuda, forte, se aproxima e ataca e agarra Whiskey, puxando-o com a guia. Izilda, 59, reage e não larga a coleira, e o homem a arrasta junto. Perde a briga, Whiskey é levado; o homem sobe rápido num Fiesta cinza-escuro, guiado por uma mulher, e desaparece. Whiskey nunca mais será encontrado, apesar da campanha solidária nas redes sociais e da oferta polpuda de recompensa.

Registrado no 30º Distrito Policial, no Tatuapé, o caso hoje dormita num fórum da capital paulista, depois que a investigação não farejou o criminoso. "Não tive um único telefonema, nunca ninguém ligou. Já ofereci R$ 5.000, R$ 10 mil e não foi nem pelo cachorro, é porque é uma vida", conta Izilda, no sofá da recepção de seu edifício. "O livro eu joguei depois fora, não quis mais nem ler."

 

Mensagem compartilhada na página do Whiskey, no 22 de junho de 2015:

Nesse sábado dia treze de junho..17:00. Na rua Itapeti altura do n. 800 no Tatuapé Sao Paulo. Um homem veio por...

Publicado por Cachorro procurado Whiskey fui roubado em Segunda, 22 de junho de 2015

 

Comentário postado na página do Whiskey, no 23 de junho de 2015:
 

Ele tinha os telefones . penso. Vão ligar . pedir resgate. Sábado. Domingo. Segunda. Nada. Prédios gravaram. Mandam...

Publicado por Cachorro procurado Whiskey fui roubado em Terça, 23 de junho de 2015

 

A dificuldade começa, segundo ela, na própria legislação, que qualifica cachorro como se fosse um bem entre outros (leia abaixo). "Isso prejudica, porque as pessoas acabam roubando sabendo que ficam impunes. A lei ajuda o ladrão, ele é beneficiado." Ela defende que furtos e roubos de cães se tornem crime hediondo, a fim de punir exemplarmente. "O cachorro é como um filho, sim. Faz parte da família. Se um dia eu precisar sair de casa, a primeira que vou levar é ela", diz afagando Maia, que dormita no colo. "Não é linda?"

A experiência traumática com o cão a colocou em contato com aspectos sombrios da vida que ignorava, como os de maus-tratos de animais. E também a transformou numa ativista da causa, fazendo doações regulares para o acolhimento de cães abandonados. "Não abandone seu animal. Não pode ficar com ele? Procure primeiro uma ONG", pede.

 

Cachorro é patrimônio? Cachorro é consciência

Nas delegacias do Brasil, os casos de furtos e roubos de cachorros são registrados como furtos e roubos de bens e são contabilizados, portanto, como furtos e roubos em geral. "Do ponto de vista da legislação brasileira, a questão é fundamentalmente de crime patrimonial", descreve a promotora de Justiça paulista e especialista em direito animal Vania Maria Tuglio, do

Segundo o Código Civil, pontua a promotora, os animais são considerados bens porque estão em posição de apropriação pelo homem, como um terreno ou automóvel. Em anos recentes, com base na Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, de julho de 2012, ganhou força o movimento para considerar animais, como os cães, seres conscientes, a exemplo do homem. Por isso, os animais não se enquadrariam na categoria de bens. Há, no Congresso Nacional, três projetos de lei tramitando para alterar o texto do Código Civil.

Conforme o Código Penal, furto, roubo ou apropriação indébita, incluindo a de cães, são crimes contra o patrimônio descritos nos artigos 155, 157 e 168, respectivamente. Furto é tomar como seu o que é alheio; roubo é tomar o que é alheio com o uso da força ou sob ameaça; e apropriação indébita é, no caso de direito animal, por exemplo, quando um cuidador do animal não o devolve depois de prestar o serviço.

A investigação dos casos envolvendo cães, segundo a promotora, é difícil como a de qualquer outro furto. O animal pode viver trancado em casa e ninguém ter notícia disso.