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Por que a corrupção vicia e dá prazer?

Daniel Neri/Arte UOL
Imagem: Daniel Neri/Arte UOL

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

25/04/2016 06h00

Como uma droga, a corrupção vicia e dá prazer, e o "tratamento" possível -- a punição -- não garante que o problema será resolvido, segundo profissionais de psicanálise, psiquiatria e ciência política, que se debruçam sobre a questão.

"A sensação de poder tudo é muito excitante, produz o maior barato que existe. Imagine um orgasmo que durasse para sempre”, diz a psicanalista Marion Minerbo, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. “Essa sensação maravilhosa vicia, quer dizer, ela pode se tornar necessária para a manutenção do equilíbrio psíquico dessas pessoas. Se perderem esse barato, ou mesmo se se sentirem ameaçadas de perder esse barato, podem se deprimir seriamente ou surtar.”

A sensação de poder tudo é muito excitante, produz o maior barato que existe. Imagine um orgasmo que durasse para sempre

Marion Minerbo

Para o psiquiatra Fernando Portela, da Associação Brasileira de Psiquiatria, a corrupção é “um vício, um modo de vida” adotado por pessoas com “um vazio muito profundo” em seu sentimento de existência.

“Ele (o corrupto) tenta obter o maior número de coisas, de poder, de bens, o maior número possível para saciar um vazio na sua existência que ele nunca consegue saciar”, explica. 

"Punição inibe até certo ponto"

Na esfera pública nacional, este vício é satisfeito pela oportunidade. Segundo a cientista política Rita Biason, do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Unesp, a falta de controle é o maior incentivo para um corrupto.

“O indivíduo que tem a possibilidade de obter algum ganho fácil com a utilização de recursos públicos irá fazê-lo”, afirma. “O que temos são as duas extremidades: mecanismos de prevenção, como comitês e leis, e uma obsessão pela punição, como se ela fosse resolver. Só que a punição é um inibidor até certo ponto.”

De acordo com Rita, a corrupção aparece em um ciclo complicado, no qual um político depende de dinheiro para atender eleitores, se reeleger e continuar dentro do esquema.

“Quando eu entro [no esquema], de alguma forma eu acabo participando, e não acho que haja inocentes”, diz. “Não acho que seja uma escolha individual. É uma onda que te empurra e o mecanismo político que obriga a entrar. Se você está fora, você está fora do jogo.”

Um mal incurável

Seja pela compulsão, seja pela falta de freios, os especialistas ouvidos pelo UOL dizem que a corrupção é um problema impossível de ser solucionado, mas pode ser contido.

“A corrupção não acaba. Ela vai ser controlada. Esse controle depende dos dispositivos que temos para mantê-la sob controle”, reforça Rita Biason.

Segundo Portela, não se pode falar em cura. Um forte “choque moral”, diz o psiquiatra, pode conter o corrupto por certo tempo. Mas, como um dependente químico, ele pode sucumbir diante do contato com a “droga”.

A corrupção não acaba. Ela vai ser controlada. Esse controle depende dos dispositivos

Rita Biason

A psicanalista Marion Minerbo, por sua vez, afirma que não é possível falar em tratamento para uma pessoa corrupta porque o fenômeno depende de fatores individuais, interpessoais e culturais.

“Mas é possível falar em ‘tratamento’, com aspas, se considerarmos os fatores interpessoais e culturais. A impunidade é o fator interpessoal que cria a cultura que confirma ao indivíduo que ele pode ser/ter tudo. Já a aplicação justa da lei é o fator interpessoal que desconstrói essa cultura. É possível -- mas nada garante -- que, uma vez punido, comece a sentir emocionalmente que, como todo mundo, infelizmente, ele não pode tudo. Poderíamos então falar em ‘cura’.”