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Sete erros de PMs e guardas nas perseguições que resultaram em mortes em SP

Imagens revelam ação da PM que resultou na morte de garoto

SBT Online

Flávio Costa e Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

04/07/2016 06h00

Em um intervalo de 25 dias, quatro perseguições a carros em São Paulo terminaram na morte de quatro jovens, com idade entre 10 e 24 anos. Para chegar a este resultado, policiais militares e guardas-civis metropolitanos descumpriram protocolos e procedimentos, instruções de treinamento de suas corporações, afirmam ao UOL pesquisadores na área de segurança pública.

Os especialistas apontaram pelo menos sete erros técnicos cometidos pelos agentes de segurança pública. Eles também indicam outras falhas que estimulam a ocorrência de casos de letalidade policial.

"Apontam-se desvios de conduta, jogam a responsabilidade para o indivíduo, mas existe a cultura da exacerbação do enfrentamento, a ideia de que violência tem que ser respondida com mais violência”, afirma sociólogo e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Renato Sergio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

Para o sociólogo Renan Theodoro de Oliveira, outro ponto que precisa ser enfatizado é o que ele de chama "seletividade" na abordagem dos agentes de segurança. "Em sua grande maioria, as vítimas da violência policial têm um mesmo perfil: são jovens, negros, pobres ou de classe média baixa, moradores de bairros periféricos. Essa seletividade define quem vai ser abordado e a maneira como será abordado”, acrescenta Oliveira, que é pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo).

Leia abaixo os 7 erros cometidos pelos policiais militares e guardas-civis metropolitanos, apontados pelos especialistas.

1) Conduta equivocada na perseguição

A perseguição ostensiva a carros de suspeitos é um fator comum aos quatro casos. Em três deles houve a participação de policiais militares, que erraram no acompanhamento da situação, afirma o tenente-coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo Adilson Paes de Souza. "Sempre se deve evitar uma perseguição em alta velocidade para evitar acidentes e proteger a vida dos policiais militares, dos cidadãos e dos próprios suspeitos", afirma o autor do livro "Guardião da Cidade", no qual critica a violência policial.

Na noite do dia 2 de junho, o menino Italo Cerqueira, 10, e um amigo, 11, furtaram um Daihatsu preto e começaram a dirigir pelas ruas da zona sul de São Paulo, o que ocasionou uma perseguição de policiais militares em carros e motos. Na região do Morumbi, Ítalo perdeu o controle do carro e bateu em um ônibus e em um caminhão. O garoto morreu ao receber um tiro na cabeça, em circunstância ainda não totalmente esclarecidas. "Você tem que utilizar toda a estrutura de comunicação da Central e dos batalhões para promover um cerco ao suspeito e forçar sua rendição", afirma Souza.

2) Uso de arma de fogo

Waldik Gabriel Silva Chagas - Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo - Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo
O Guarda-civil Caio Muratori,43, disse mirou o pneu do carro onde estava o menino Waldik. 11
Imagem: Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo

O uso da arma de fogo em qualquer situação deve ser o último recurso dos agentes de segurança. Não foi o que se viu nos quatro casos registrados neste mês. Na abordagem que resultou na morte do menino Waldik Gabriel Silva Chagas, 11, durante perseguição na Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista, o guarda-civil metropolitano responsável pelo disparo afirmou que mirou o pneu do carro que estava sendo perseguido. Waldik estava no banco de trás do veículo.

"Perseguição não se faz atirando desse jeito. Isso pode existir nos filmes de Hollywood, mas não na vida real. A perseguição tem protocolo, tem técnicas sigilosas. Atirar no pneu também é perigoso. Não teve análise de risco para ver quem estava no carro. Há casos, por exemplo, em que o passageiro pode ser vítima de um sequestro relâmpago", afirma o sociólogo Renato Sergio de Lima.

3) Uso excessivo da força

Julio César Alves Espinoza - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
O universitario Julio César Espinoza, 24, morreu após levar um tiro na cabeça em perseguição policial
Imagem: Reprodução/Facebook

Mesmo quando necessário, o uso de arma de fogo deve ser moderado. De acordo com o boletim de ocorrência, policiais militares e guardas-civis municipais de São Caetano do Sul atiraram pelo menos 16 vezes contra o carro dirigido pelo universitário Julio César Alves Espinoza, que não obedeceu a ordem de pará-lo em uma blitz. Ele morreu com um tiro na cabeça no último dia 28 de junho. Já o adolescente de 15 anos morto por PMs recebeu dois tiros no peito e uma na boca, no último dia 24 de junho. Ele era suspeito de roubar um carro.

Nos dois casos, os agentes alegam que revidaram aos tiros supostamente desferidos pelos jovens. "Nota-se uma verdadeira desproporcionalidade na ação dos agentes, mesmo considerando que seja realmente verdade que houve disparos por parte das vítimas. O que torna as ações mais absurdas é que todos os casos são de supostos crimes contra o patrimônio, não eram casos de crime contra a vida", diz o sociólogo Renan Theodoro de Oliveira. "Aquele que é tipificado como suspeito é tratado como um inimigo que precisa ser eliminado, que precisa pagar por um suposto crime de furto com a própria vida."

4) Guardas-civis atuando como PMs

Em dois dos quatro casos houve a participação de guardas-civis metropolitanos. Para os especialistas, é comum "a confusão de papéis e atribuições", entre membros da GCM e da Polícia Militar, como revela reportagem do jornal "Folha de S. Paulo" sobre atuação dos agentes da cidade de São Caetano do Sul.

"Tem nesses dois casos um claro desvio de função. O Estatuto das Guardas Civis prevê que esses agentes atuem como força auxiliar à Polícia Militar. Não cabe à Guarda Civil Metropolitana fazer perseguição e estar à frente de supostos confrontos com suspeitos, eles não têm treinamento para realizar tal tarefa", afirma Ivan Marques, o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz.

5) Alteração da cena da morte

Italo Cerqueira - Reprodução - Reprodução
Peritos afirmam que PMs adulteram a cena onde menino Italo morreu
Imagem: Reprodução

Peritos responsáveis pela investigação da morte do menino Italo, 10, apontaram que o local onde a criança morreu foi alterado pelos policiais militares envolvidos na ocorrência. "Infelizmente, uma prática muito comum para justificar as ações cometidas", diz o tenente-coronel Adilson Paes de Souza, que após a aposentadoria se dedica à pesquisa na área de segurança pública.

6) Atendimento às vítimas

Desde 2014, uma portaria determina que, em caso de ferimentos em uma tentativa de homicídio ou em uma intervenção policial, se solicite o apoio do Samu para que depois seja feita a remoção. "Não se deve descaracterizar a cena do crime. Deve-se preservá-la para a perícia. É melhor acionar o Samu do que socorrer sem técnica", afirma Renato Lima.

7) Falha de supervisão do comando

Adilson Alves de Souza - Junior Lago/UOL - Junior Lago/UOL
Tenente-coronel reformado da PM, Adilson Paes de Souza: "A prática da PM está dissociada do que está escrito nos protocolos da corporação"
Imagem: Junior Lago/UOL

Há uma lacuna entre o que é ensinado durante o treinamento dos policiais militares e o que é posto em prática em situações concretas. "No papel, os procedimentos e os protocolos são excelentes. Na prática, a realidade é completamente diferente e falta transparência por parte da corporação em explicar por que esses casos de letalidade policial são tão frequentes", afirma o tenente-coronel reformado Adilson Alves de Souza.

Entre as instruções de treinamento da PM paulista, Souza cita o "Método Giraldi", criado pelo tenente-coronel reformado da PM paulista, Nilson Giraldi, cuja doutrina prepara o policial para proteger a vida do cidadão e do próprio policial.

"É preciso aumentar a prestação de contas e a transparência sobre os procedimentos da Polícia Militar, para que a sociedade possa saber o que exatamente um policial militar pode ou não pode fazer, além de ter acesso à investigação de casos como esses", diz Ivan Marques, do Instituto Sou da Paz.

Outro lado

A assessoria da Prefeitura de São Paulo afirmou, em nota, que os três guardas municipais metropolitanos envolvidos em perseguição de suspeitos de assalto no dia 25 de junho "desrespeitaram o protocolo da GCM e da gestão municipal". Além de colaborar com as investigações da Polícia Civil sobre o caso, a prefeitura afastou os agentes e instaurou processo administrativo interno para apurar a atuação deles no episódio. A nota cita declaração do prefeito Fernando Haddad: "Não se justificava a perseguição e muito menos os disparos”.

Em virtude da ocorrência que vitimou Julio Cesar Alvez Espinoza, de 24 anos, a Secretaria Municipal de Segurança da Prefeitura de São Caetano do Sul informou "que a GCM (Corregedoria da Guarda Civil Municipal) instaurou procedimento administrativo interno para apurar a conduta dos agentes que participaram do caso. Tal processo correrá paralelamente ao inquérito policial". Os guardas envolvidos no caso estão realizando serviços administrativos.

Já a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que os três casos envolvendo policiais militares estão sendo investigados pelo Departamento de Homicídios, através de inquérito policial. Ainda de acordo com o órgão "a conduta dos policiais envolvidos na ocorrência está sendo apurada e eles estão afastados do trabalho operacional, cumprindo funções administrativas no batalhão da área. Leia a nota na íntegra abaixo:

"A SSP informa que os três casos estão sendo investigados pelo DHPP através de inquérito policial. Em ocorrências nesta natureza, é praxe o acompanhamento das investigações pela Corregedoria da Policia Militar, com abertura de Inquérito Policial Militar quando necessário.

O DHPP instaurou inquérito policial para investigar a morte em decorrência de intervenção policial ocorrida na Cidade Tiradentes, na zona leste da capital. O veículo roubado passou por perícia e foi devolvido para a proprietária. A investigação segue em andamento pela Divisão de Homicídios. Os policiais envolvidos na ocorrência estão afastados para participarem do Programa de Acompanhamento Psicológico da Policial Militar.

Sobre a morte do estudante universitário de 24 anos, os dois PMs envolvidos foram presos administrativamente por cinco dias e estão na carceragem da Corregedoria da Polícia Militar. Nesta sexta-feira (1º), duas testemunhas foram ouvidas. Os outros dois policiais continuam afastados e as investigações seguem em andamento.

Referente ao caso do menor de 10 anos, a SSP informa que estão sendo analisados todos os fatos e imagens sobre o caso nos inquéritos da Polícia Civil e da Corregedoria da Polícia Militar. A conduta dos policiais envolvidos na ocorrência está sendo apurada e eles estão afastados do trabalho operacional, cumprindo funções administrativas no batalhão da área. É necessário aguardar o término das investigações."