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Jovens dormem nas ruas para sentir frio e fome junto a desabrigados em SC

Há dois dias, 110 jovens estão dormindo nas calçadas de Florianópolis (SC) em solidariedade a moradores de rua - Divulgação/Fraternidade O Caminho
Há dois dias, 110 jovens estão dormindo nas calçadas de Florianópolis (SC) em solidariedade a moradores de rua Imagem: Divulgação/Fraternidade O Caminho

Aline Torres

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

18/07/2016 06h00

Há dois dias, 110 jovens estão dormindo nas calçadas de Florianópolis. Eles não são moradores de rua, nem dependentes químicos ou manifestantes. A maioria é composta por universitários ou estudantes recém-formados. São pessoas que abriram mão do conforto das suas casas para participarem de uma missão franciscana. O objetivo é sentir o mesmo que os sem-teto -- inclusive o frio. Fez 6 graus na madrugada deste domingo (17), segundo a central meteorológica de Santa Catarina, a Epagri/Ciram.

Sentir o mesmo é um jeito de nivelar a caridade, mostrar que todos são iguais. A missão foi batizada de “Anawin”, palavra hebraica que significa os “pobres de Deus”, foi organizada pela fraternidade O Caminho e reúne jovens de várias cidades do sul do Brasil.

“Nada nos diferencia. Não somos melhores. Se existem prediletos são os pobres”, disse a irmã Maria Dolores, organizadora da missão.

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Missas a céu aberto também fazem parte da missão dos franciscanos
Imagem: Divulgação/Fraternidade O Caminho

O aprendizado vem de nove séculos. Rico e vaidoso, filho de nobres italianos, Francisco de Assis esbanjava o dinheiro da família com superficialidades. Durante a guerra, adoeceu e começou ouvir vozes e acreditou ser um chamado de Deus. Então escolheu vender seus bens, abdicar da herança e se dedicar aos enfermos e miseráveis. Ele tinha 25 anos. Em 1210 fundou, ao lado de doze discípulos, a ordem franciscana. Eram homens despojados, cujas únicas posses eram uma túnica, uma corda e um par de sandálias.

Na sexta-feira (15), os discípulos modernos de são Francisco dormiram nas pedras do Terminal Rodoviário Rita Maria. Mas ficaram com medo de voltar. Na disputa pelo crack, a noite foi interrompida por brigas entre os moradores de rua. Um homem foi esfaqueado. Na segunda noite, desbravaram o centro da cidade em busca de papelão e dormiram no antigo terminal de ônibus.

“Foi muito difícil. Passei frio e me assustei. Vi três ratos tão grandes que pareciam cães. Mas acho que o pior foi a fome”, disse Marcelo Oliveira, 21 anos.

Os franciscanos abdicam do dinheiro e dos prazeres dos bens materiais. Comem quando recebem doações ou esmolas. Os integrantes da missão fizeram a campanha do R$ 1 nos semáforos. Tudo o que conseguem é dividido com o próximo.

“É a lei cristã do amor e da caridade vivida ao extremo. Vemos Cristo nas prostitutas, nos mendigos, nos presos. Dizemos que o pobre é nossa obra. E não só os pobres da matéria. Também buscamos os pobres de espírito. Aqueles que têm tudo, mas não têm nada, por que perderam o sentido da existência. Acho que esse radicalismo que atrai os jovens”, disse a irmã Dolores.

A jornalista Gabriela Ribeiro da Costa, 23 anos, concorda. A abnegação dos franciscanos fez com que ela mudasse os rumos da vida. Ela se prepara para a formação e para os quatro votos da fraternidade: pobreza, obediência, castidade e disponibilidade. Nem todos ali são como Gabriela. Alguns jovens querem viver os propósitos franciscanos sem abdicarem de suas famílias e profissões.

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Mutirão foi organizados para cortar unhas, cabelos e fazer barba dos moradores de rua
Imagem: Divulgação/Fraternidade O Caminho

“Quando contei [que iria para a fraternidade], meu pai começou a chorar. Não deixa de ser uma perda. Receberei até um novo nome. Mas não consigo negar minha vocação. Não quero pregar para as pessoas coisas que eu não vivo. Quero ter, como São Francisco, um coração desprendido”, disse Gabriela.

Nas manhãs, para alcançarem os sem teto que não vão à Catedral, os franciscanos realizaram missas a céu aberto. Eles também organizaram rodas de música e teatro. Uma das intenções da fraternidade é viver a pobreza com alegria.

Nas tardes, eles visitaram comunidades carentes de Florianópolis. E neste domingo organizaram um mutirão pela manhã para cortar unhas, cabelos e fazer a barba dos moradores de rua.