Topo

Aos 96 anos, pipoqueiro se transforma em 'referência turística' em Boituva (SP)

O pipoqueiro João de Oliveira, o Seu João, com a mulher, Aurora, e a filha Mariana (dir.): família orgulhosa ao lado do carrinho feito por encomenda - Fabiana Marchezi/UOL
O pipoqueiro João de Oliveira, o Seu João, com a mulher, Aurora, e a filha Mariana (dir.): família orgulhosa ao lado do carrinho feito por encomenda Imagem: Fabiana Marchezi/UOL

Fabiana Marchezi

Colaboração para o UOL, em Boituva

24/07/2016 06h00

“Olha a pipoca! Chega aqui criançada! Tem pipoca doce e tem pipoca salgada!”. É com essas palavras e muita simpatia que, há 56 anos, o pipoqueiro João Domingues Alves de Oliveira conquista a clientela na Praça da Matriz, na pequena Boituva (a 120 quilômetros de São Paulo).

Todos o chamam de Seu João. Um dos moradores mais conhecidos do município de 54 mil habitantes, é o único pipoqueiro do lugar. É fácil encontrá-lo, mesmo com calor insuportável ou frio daqueles bem gelados, como o que tem feito neste mês de julho. Ele faz questão de trabalhar de domingo a domingo - desdenha de folgas e de descanso, e fala isso com orgulho, espantando os interlocutores quando diz que tem 96 anos de idade.

Seu João e seu carrinho azul e vermelho compõem o cenário da praça e, ao lado chafariz e a Igreja Matriz, tornou-se uma "atração turística", quase fazendo parte do roteiro de atrações oficiais da cidade.

Em Boituva, é difícil encontrar um morador que não saiba onde fica o famoso carrinho de pipoca do seu João, o nonagenário que se recusa a desacelerar, mesmo tendo se aposentado há 42 anos.

“Não deve existir nenhum boituvense que ainda não tenha provado essa pipoca. A criançada é trazida pelos pais e avós, que vinham aqui quando eram crianças. Já vi umas três gerações passarem nessa praça. Dessa pipoca só não provou quem não quis porque aqui se a pessoa tem dinheiro leva. E se não tem, leva também. E quando puder, me paga. Vontade, ninguém passa”, diz sorridente e orgulhoso.

Para ele, as crianças buscam o sabor da alegria em sua pipoca. Já os adultos, buscam as lembranças, o gosto da infância que passou.

Sentado no banco da praça, ao lado do carrinho, seu João conta sua história com muito entusiasmo e lucidez. Ele nasceu em Tietê (a cerca de 130 km de São Paulo), em 1920, e perdeu a mãe quando tinha 11 anos. Sem saber que rumo tomar, foi morar com um tio em Boituva, onde trabalhou em algumas fazendas e depois foi prestar serviço na antiga Estrada de Ferro Sorocabana.

Dinheiro extra para a família grande

A ideia de virar comerciante veio tempos depois, quando um dos filhos de seu primeiro casamento deu a sugestão. “Meu filho deu a ideia e eu gostei. Então, de dia, enquanto eu trabalhava na Sorocabana, minha esposa ficava no carrinho, à noite, eu vinha vender pipoca. Na época, era um dinheirinho extra para criar os filhos. O que eu não sabia era que a pipoca passaria a ser minha maior fonte de renda anos mais tarde. Foi com o dinheiro da venda das pipocas que eu consegui construir minha casa, terminar de criar meus filhos, dar estudo e ajudá-los. Até hoje eu ainda dou um trocado para eles, para os netos, os bisnetos e tataranetos.”

Pai de 12 filhos -- dez do primeiro casamento e duas com dona Aurora, com quem está casado há 32 anos -- seu João divide uma boa casa, a três quarteirões da praça, com a esposa, as duas filhas mais novas e oito netos.

Mariana, de 28 anos, é a caçula e há algum tempo passou a ser o braço direito do pai. É ela quem reveza o ponto com ele. “Eu devo tudo ao meu pai. Se hoje eu tenho casa alugada, carro e filhos criados, é tudo graças a ele e ao seu esforço. Ele me ensinou tudo que eu sei, tenho muito orgulho de poder dizer isso”, diz, emocionada.

Crianças fazem fila no carrinho do Seu João, em Boituva. Elas ficam encantadas com a simpatia e o bom humor do pipoqueiro - Fabiana Marchezi/UOL - Fabiana Marchezi/UOL
Crianças fazem fila no carrinho do Seu João, em Boituva. Elas ficam encantadas com a simpatia e o bom humor do pipoqueiro
Imagem: Fabiana Marchezi/UOL

É com ela que seu João viaja pelo menos uma vez por mês a São Paulo, em um percurso de 240 quilômetros (ida e volta) para escolher os grãos do milho e os saquinhos para suas famosas pipocas. “Ele faz questão de ir. Não me deixa ir sozinha de jeito nenhum. Quer participar de tudo. Acho que tem mais disposição que eu”, brinca Mariana.

O comerciante conta que já viu um pouco de tudo na praça. “Estou aqui desde os meus 40 anos. Vi muita gente e muita coisa acontecer. Vi a cidade se desenvolver em torno dessa praça. Entra prefeito, sai prefeito e todos passam por aqui. Ninguém tira meu lugarzinho, não”.

Perdas

Foi vendendo pipoca na praça que ele passou por grandes lutas, mas também conquistou muita coisa. “Perdi minha primeira esposa, perdi cinco filhos e todos os meus grandes amigos. Mas continuo levando a vida com muita alegria. Depois que perdi minha primeira esposa, com quem tive dez filhos, Deus me deu a Aurora e mais duas meninas. Hoje, é com elas que eu moro e convivo mais. Os outros filhos também já têm um pouco mais de idade e não podem me ajudar aqui na labuta, mas a Mariana está aqui comigo todos os dias. Ela corre comigo para todo lugar.”

Na semana passada deu um susto na esposa e nas filhas. Foi parar no hospital, com suspeita de infarto. Assim que foi liberado e deixou a unidade médica, chegou em casa com toda disposição, pegou o carrinho e foi para a praça. “Aqui na praça eu sou feliz, converso, vejo gente. Ficar de molho é pior.”

Devoto de Nossa Senhora, seu João conta que vai à cidade de Aparecida, no Vale do Paraíba, ao menos duas vezes por ano para agradecer às bênçãos alcançadas. “Eu gosto muito. O segredo da longevidade é ter alegria no coração, paz e fé. Sem isso, acho que nem estaria mais aqui.”

Ele também ficou conhecido na cidade por organizar caravanas e promover excursões para lugares turísticos. “Como eram muitos filhos, eu não tinha como pagar para todo mundo ir. Aí comecei a organizar excursões só para poder levar a família de graça.”

Escolha do carrinho

A escolha do tão famoso carrinho de pipoca ocorreu por acaso. Em uma das excursões que ele organizou, há 56 anos, o ônibus quebrou e eles tiveram que fazer uma parada em uma cidade perto de Campinas.

“Quando cheguei lá, me encantei por um carrinho de pipoca e perguntei para o pipoqueiro onde eu arrumava um daquele. Ele me disse que mandou fazer com um funileiro de Itu - foi à casa dele, pegou o rascunho do desenho e me deu. Dei sorte de encontrar um cara de bom coração. Daí fui para Itu e mandei fazer um para mim também. A gente dá uma reformada, pinta, mas mantenho tudo o mais original possível. Nunca trocamos nada. Virou patrimônio, daquele que a gente não pode mudar o original”, brinca.

Planos?

Por tanto tempo de história na praça e tantas amizades feitas, seu João já foi homenageado duas vezes pelo município. “Ele já conquistou os títulos de cidadão boituvense e honra ao mérito”, conta a companheira Aurora.

Seu João tem planos: manter tudo como está e continuar na praça. “Eu quero morrer trabalhando. Enquanto eu puder, estarei nessa praça. Animando e sendo animado. Todos que por aqui passam ganham uma palavra de ânimo. Eu não deixo ninguém desanimar.”

A festa de seu centenário, marcada para 5 de julho de 2020, já está sendo programada pela família e amigos. “Se Deus quiser e me conceder essa graça. O festão será aqui na praça, com bolo e muita pipoca para toda a cidade.”