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Guarda-chuvas quebrados viram sacos de dormir para moradores de rua em SC

Lúcia Barreto exibe um dos sacos de dormir que fez para moradores de rua em Florianópolis - Aline Torres/UOL
Lúcia Barreto exibe um dos sacos de dormir que fez para moradores de rua em Florianópolis Imagem: Aline Torres/UOL

Aline Torres

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

01/08/2016 06h00

Transformar guarda-chuvas quebrados e descartados em sacos de dormir para moradores de rua. Essa é a missão da pedagoga Lúcia Grisel Barreto, 57 anos, de Florianópolis (SC) neste inverno. Há quatro meses ela começou a recolher guarda-chuvas e hoje já quase não dá conta: encantados com o exemplo, os vizinhos passaram a ajudar. Com frequência ela chega em casa e se depara com velhas sombrinhas pendurados no portão.

Os sacos são impermeáveis, forrados com cobertores de lã e quando dobrados viram bolsas, que podem ser carregadas facilmente pela cidade. Cada saco de dormir é confeccionado a partir de quatro guarda-chuvas ou seis sombrinhas. Lúcia já fez 40 e um grupo de ex-bandeirantes (movimento criado no começo do século XX semelhante ao escotismo, mas inicialmente integrado por meninas) que se uniu à causa fez outros 80.

Na maioria dos casos, a pedagoda os distribui. “Tive uma experiência marcante. Entreguei o saco de dormir para um homem e ele ficou tão feliz. Disse ‘agora tenho uma casa’”, conta Lúcia.

Ela trabalha há 36 na secretaria de assistência social de Santa Catarina. O contato com moradores de rua não é novidade: diz que já levou para casa uma desabrigada.

Olga Emily Montanhini, 42 anos, morou dez anos nas ruas. Vivia entre as esquinas das ruas Fernando Machado e Hercílio Luz, no centro de Florianópolis. Era amiga de Lúcia, a chamava de mãezinha. Soropostivo, com hepatite C e viciada em crack, ficou muito debilitada. 

“A Emilly morou comigo quatro dias. Limpa, sem usar nada. Daí consegui uma internação para ela, mas não adiantou. Já estava muito doente. Quando ela morreu, no final de fevereiro, eu despertei. Pensei, agora tenho que fazer pelos outros”, disse a pedagoga.

Segundo a Guarda Municipal, há pelo menos 450 pessoas vivendo nas ruas de Florianópolis. O atual inverno está sendo considerado o mais rigoroso desde que a estação meteorológica da cidade foi instalada, há 115 anos. No dia 12 de junho, por exemplo, a temperatura desceu a 0,6ºC, o dia mais frio do ano na capital catarinense.

“A vida da Emilly estava dentro de um carrinho de supermercado. Quando chovia, ficava tudo encharcado. Eu levava uns sacos de lixo de cem litros para ela cobrir as coisas, mas o vento os levava ou eram recolhidos por fiscais da prefeitura. Acho que a ideia nasceu assim, meio por acaso”, diz Lúcia..

A pedagoga afirma que tem o apoio de mulheres que se conheceram há 40 anos no grupo do Movimento Bandeirante e que se reencontraram há pouco tempo. “Um dos lemas das bandeirantes é a ajuda ao próximo. Então, ao mesmo tempo resgatamos nossa amizade e resolvemos apoiar o projeto da Lúcia”, disse Mary Angela Barcelos, 55 anos, funcionária pública federal.

Cinco ex-bandeirantes costuram. Outras 17 ajudam financeiramente para comprar os cobertores. O grupo pretende atender a todos os desabrigados de Florianópolis.
“Essa é uma maneira que encontramos para amenizar um pouco da dor dessas pessoas”, diz Mary.