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Brasil só fiscaliza 4% e desconhece risco de 87% das barragens, diz ANA

Carro é levado por enxurrada causada pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG) - Douglas Magno/AFP
Carro é levado por enxurrada causada pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG) Imagem: Douglas Magno/AFP

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

08/08/2016 06h00

O Brasil deixou de fiscalizar 96% de suas barragens conhecidas entre outubro de 2014 e setembro de 2015. O dado consta no recente Relatório de Segurança de Barragens, da ANA (Agência Nacional de Águas), que mostra que, com falta de estrutura, as 43 entidades fiscalizadoras da segurança não conseguem dar conta do trabalho nas cinco regiões.

Existem quatro tipos de barragens no Brasil: de contenção de resíduos industriais, de uso múltiplo da água, de contenção de rejeitos de mineração e para geração de energia hidrelétrica. Segundo o documento, no período de abrangência do relatório, houve um aumento no número de barragens cadastradas, chegando a um total de 17.259 –15% a mais que as 14.966 do relatório apresentado no ano passado. Dessas, apenas 701 foram vistoriadas.

“Verifica-se que ano a ano cresce o número de barragens vistoriadas, mostrando que está sendo dada cada vez mais importância à segurança das barragens por parte das entidades fiscalizadoras. Entretanto o número de barragens vistoriadas em relação ao total ainda é pequeno, mostrando que muito trabalho deve ser feito”, diz o relatório.

O número de barragem cadastradas, porém, é incompleto e concentrado em dois Estados: Rio Grande do Sul e São Paulo têm 73% das barragens cadastradas.

Faltam informações

Além da falta de inspeção, há carência de dados sobre as barragens. Das cadastradas, 79% não tinha informações de altura e 45% de volume sequer. Dessas barragens, 6.055 barragens não tinha informações do empreendedor responsável.

Também faltam informações quanto aos riscos: “das 17.259 barragens cadastradas, 2.368 foram classificadas por Categoria de Risco e 2.224 quanto ao Dano Potencial Associado, representando, respectivamente, 13% e 12% do total”, diz o relatório.

Outro problema citado é a falta de investimentos. Segundo o relatório, o governo federal investiu apenas R$ 10 milhões em ações ligadas aos serviços de operação, manutenção e recuperação de barragens. O valor é o mesmo investido em 2014. O orçamento previsto para 2015, porém, era de R$ 76 milhões, mas houve contingenciamento por conta da queda de receita federal.

Lei recente

Segundo o superintendente de Regulação da ANA, Rodrigo Flecha, afirma que a preocupação com a segurança de barragens "sempre esteve presente na engenharia brasileira”, mas faltava regulamentação do setor. “Assim como em diversos outros países, somente no ano de 2010 foi instituída a Lei n° 12.334 que estabeleceu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Certamente, assim como em inúmeras áreas de conhecimento, a política deverá sofrer evoluções a partir da experiência da prática”, conta.

O superintendente afirma que falta estrutura às 43 entidades fiscalizadoras. “Os fiscalizadores e reguladores não contam com equipe necessária para implementar a PNSB, assim como em diversas outras áreas temáticas. A perspectiva é de que, com o passar dos anos, os fiscalizadores e reguladores se estruturem de forma a cumprir os ditames da Política”, afirma.

Flecha diz que é preciso mudar o hábito brasileiro de não cuidar da segurança das barragens. “É preciso criar e difundir a cultura da segurança de barragens, sobretudo junto à sociedade. Vários fiscalizadores e reguladoras já estão avançando no que diz respeito à classificação das barragens, seja quanto aos riscos, seja quanto aos danos potenciais associados”.

Longe do ideal

Para o doutor em Recursos Hídricos especializado em segurança de barragens pela UFC (Universidade Federal do Ceará), Rogério Menescal, o país vem melhorando o poder de fiscalização ao longo dos anos, mas ainda está distante do ideal. “O Brasil é um dos países que têm mais barragens no mundo. E essa cultura de não fazer inspeção, não é só questão de barragens, mas de edifícios, estradas, é de uma maneira geral. Nos preocupamos muito com planejamento, projeto e construção, e esquece que é a partir do momento que vira obra que se torna útil à sociedade”, analisa.

Segundo ele, fiscalizações podem evitar tragédias, como a de Mariana (MG), que matou 19 pessoas e deixou um rastro de lama pelo rio Doce até o Espírito Santo. “Uma barragem não rompe da noite para o dia, ela dá sinais. E esses sinais, tomando a medida na hora certa, evitam o incidente e principalmente evitam mortes, pelo menos manda evacuar, se não puder evitar”, diz.

Menescal elogia a lei de 2010, e diz que o Brasil possui boa tecnologia no setor as barragens. “O Brasil detém esse know-how, é muito competente em fazer, o problema é que as instituições responsáveis não valorizam fiscalizar. A lei quando veio, veio para dar um basta: As barragens têm de ser olhadas em todo ciclo de vida quando tem volume", afirma.
Outro ponto ressaltado por ele é que a lei não prevê punições a quem causar acidentes. “Não tem uma jurisprudência muito clara sobre isso, o caminho não está muito estabelecido de forma consensual. A lei de barragens não prevê punições, nesse caso de Mariana teve de usar leis do Código Civil”, diz.

As barragens conhecidas no Brasil:

  • Usos Múltiplos da Água - 15.671 (91%)
  • Rejeito de minérios - 660 (4%)
  • Contenção de resíduos industriais - 286 (1%)
  • Geração de Energia - 642 (4%)

O caminho de destruição da onda de lama da Samarco

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